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Após adotar paywall, jornais brasileiros batem recorde de audiência e vendem cada vez mais assinaturas digitais

Ao contrário do que se podia imaginar, a implementação do paywall -- barreira que restringe o acesso dos usuários não pagantes aos sites -- contribuiu para disparar a audiência dos grandes jornais brasileiros, que têm registrado também um significativo aumento na venda de assinaturas digitais.

Segundo executivos de jornais entrevistados pelo Centro Knight, a adoção deste "muro de pagamento" teve impactos na mentalidade e no funcionamento das redações, e tem alterado o modelo de financiamento do negócio e o perfil dos leitores, com reflexos na linha editorial das publicações.

De 2014 para 2015, a média das assinaturas digitais cresceu 27%, enquanto a média de circulação paga dos jornais impressos caiu 13%, de acordo com o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), que há décadas certifica a tiragem dos jornais e mais recentemente começou a conferir também a circulação digital.

Em setembro de 2016, as assinaturas digitais de 33 jornais com edições online monitoradas pelo IVC chegaram a 818.873, um número 20% maior do que a média de 2015. No mesmo período, a circulação impressa caiu quase 20%, chegando a cerca de 2,6 milhões de exemplares vendidos no Brasil.

A Folha de S. Paulo, um dos primeiros jornais brasileiros a implementar o paywall, em 2012, anunciou, em agosto de 2016, que a sua circulação digital ultrapassou a impressa. Em setembro de 2016, o jornal vendeu 164 mil edições digitais e 151 mil impressas. O Globo também está bem próximo dessa transição: com 150 mil de circulação digital e 163 mil impressa, de acordo com o IVC.

"Essa é a tendência. Para todos os jornais, mesmo os regionais", disse ao Centro Knight o presidente do IVC, Pedro Silva. De fato, jornais como Correio Braziliense e o O Tempo (de Belo Horizonte) tiveram crescimentos de circulação digital de 76% e 87%, respectivamente, entre 2014 e 2015.

A implementação do paywall é uma das principais explicações para o aumento do número de assinantes digitais, segundo especialistas. "Ele incentiva o leitor a se tornar cliente", afirmou Silva.

Segundo o diretor de circulação e marketing da Folha, Murilo Bussab, o jornal tinha 297 mil assinaturas, somando impresso e digital, em 2012, quando o paywall foi instalado. Em setembro de 2016, esse total chegou a 315 mil, apesar da queda de circulação do impresso.

"Tem gente que deixa de assinar o impresso permanentemente, tem gente que sai do impresso e vai para o digital, e tem outros que começam já direto pelo digital. Então conseguimos manter a circulação, e ter um pequeno ganho, de 18 mil assinantes, desde 2012", afirmou Bussab ao Centro Knight.

Além de aumentar a circulação digital paga, o paywall gerou também um aumento da audiência. De acordo com presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, que é também o vice-presidente Editorial do Grupo RBS, os jornais brasileiros têm hoje a maior audiência da sua história. "Quando somamos circulação digital e impressa, a audiência mobile e desktop, nunca se leu tanto jornal no Brasil", disse Rech ao Centro Knight.

O site da Folha, por exemplo, bate recordes de audiência desde que implementou o paywall. "Março foi o pico da história, com notícias relacionadas ao impeachment (da presidente Dilma Rousseff). Mas mesmo considerando períodos mais tranquilos, como agora, a audiência acumulada entre janeiro e outubro de 2016 é a maior da série histórica", disse Bussab.

Modelo poroso

O modelo de paywall adotado pela maioria dos jornais brasileiros é conhecido como "poroso" ou "flexível", pois permite ao usuário não-assinante ler um número restrito de matérias por mês de forma gratuita. Caso queira ler mais textos, o usuário precisa pagar a assinatura.

É considerado um modelo inteligente, por não afastar totalmente os leitores (como um paywall rígido ou hard wall) e garantir, assim, uma audiência significativa para anúncios.

"Houve várias experiências que fracassaram de hard walls, de fechar 100%. E foi um desastre porque não permitia uma convivência com o conteúdo. O New York Times deu projeção a esse paywall poroso, que possibilita gerar o hábito da leitura e ir convertendo aos poucos os assinantes, à medida que eles vão batendo no muro", disse Rech, da ANJ.

Para Bussab, o paywall foi "um divisor de águas" da indústria brasileira. "O paywall tem uma história muito boa. Quando instalamos, na Folha, tudo levava a crer que perderíamos audiência, porque, por mais flexível que seja, o paywall é um limitador. A pessoa pode pensar: 'se tem que pagar eu vou deixar de ler'. Só que, quando colocamos o paywall, aconteceu uma coisa absurda, cresceu a audiência", disse.

Segundo ele, não é a barreira em si do paywall que fez a audiência disparar, mas a mudança de mentalidade que o novo modelo causou nas redações. Antes do paywall, quando o site era totalmente gratuito, certos conteúdos não eram colocados no online, e sim guardados para o impresso. Colunas e editoriais, por exemplo, estavam disponíveis apenas no papel, como uma forma de valorizar o investimento do assinante.

"Há cinco anos, um furo era guardado para o impresso do dia seguinte, não tínhamos a menor dúvida disso. Agora não temos mais pudores de colocar 100% do conteúdo da Folha no ar. E isso fez crescer a audiência, mesmo com o paywall", explicou.

No entanto, o aumento das assinaturas digitais não se explica apenas pela implementação do muro de pagamento. A expansão do acesso à internet e uma melhor visualização das notícias nos dispositivos móveis também contribuíram para aumentar a circulação digital paga.

"A largura da banda cresceu bastante nos últimos cinco anos. Ela está mais rápida e mais disseminada. Isso faz com que o consumo da edição digital seja muito mais prazeroso", afirmou Silva, do IVC.

Ele aponta também que a experiência de leitura de jornais em dispositivos móveis é muito mais rica atualmente do que há cinco anos atrás. Segundo Silva, os sites estão mais "responsivos", ao se adaptarem automaticamente ao tamanho das telas, sem necessidade de o leitor "dar zoom in" (aproximar a imagem).

Descentralização do leitor

Com cada vez mais pagantes digitais, em detrimento do impresso, muda também o perfil do assinante dos jornais brasileiros. Segundo especialistas, além de mais jovens, esses leitores estão mais dispersos pelo país, e não concentrados nas capitais de origem dos jornais, como ocorria com o papel.

Tradicionalmente, em países de dimensões continentais como Brasil e Estados Unidos, a distribuição de um jornal impresso ficava mais restrita à capital da publicação, como é o caso do O Globo, no Rio de Janeiro ou da Folha, em São Paulo.

Segundo Silva, em média 90% da circulação desses jornais estava na capital da sede, enquanto cerca de 5% ou 7% estava no interior do estado. Somente 3% era espalhado pelo resto do Brasil. Já em países com território menor ou com uma concentração econômica e populacional muito grande, há uma possibilidade maior de haver um jornal impresso com características mais nacionais.

"Isso ocorre no Chile, Argentina e até México. Nesses três países, a região metropolitana da capital responde por mais de 50% do PIB e da população do país inteiro. No Brasil, São Paulo, que é a maior capital e maior centro econômico, responde por menos de 15% do PIB e população", explica Silva.

Tais características dificultam que um jornal impresso tenha caráter nacional no Brasil, porque o produto chega tarde na casa do consumidor. "O horário é fundamental e, em lugares mais distantes, não tem como chegar cedo. O impresso é o produto mais perecível do mundo, mais do que alface", afirmou Rech.

Além de chegar frio, o custo de entrega é muito alto, tornando o produto inacessível para muitos leitores distantes da sede.

"Precisa ser rico para assinar a Folha longe de São Paulo, como em Rio Branco, no Acre, por exemplo. Custa cerca de R$ 300 ou R$ 400 por mês. Tem que levar de avião e isso é caro. E o jornal chega lá duas da tarde", explicou Bussab.

"Claro, o governador e o presidente de uma multinacional em Manaus vão querer ler o impresso e vão pagar caro. Mas para o nosso leitor, que é de uma classe média esclarecida, não dá. O digital nos permite ser mais acessível e espalhar ainda mais o nosso perfil, porque a assinatura é R$ 30 não importa onde você esteja".

Na Folha, de acordo com Bussab, 75% da circulação do impresso está no Estado de São Paulo. Já no digital, essa fatia é de menos de 50%. Para Silva, essa descentralização significa que os jornais vão passar a ter uma distribuição mais próxima das revistas, atingindo todo o território.

A pulverização de assinantes também impacta a linha editorial desses jornais. No caso da Folha, Bussab afirma que o foco é política, economia e cultura, com o objetivo de ser um jornal nacional e, inclusive, de "inspiração regional, para as Américas".

Na opinião de Bussab, a redução ou fechamento de sucursais dos jornais nos estados não impede essa expansão.

"O conteúdo que a gente produz não é local. Não adianta ter uma sucursal Norte, em Manaus. Nós não temos nem capacidade para tanto. Há os meios de comunicação locais para isso. O que a gente quer, com o digital, é levar para essas pessoas o conteúdo de Brasil que elas querem receber".

Ele afirma, por exemplo, que o jornal não pretende ter uma cobertura forte em esporte e menciona os recentes cortes na editoria. "A gente não vai cobrir o esporte bem, até reduzimos um pouco essa área, ainda mais fora de São Paulo. A Copa do Nordeste é um sucesso. Mas nós não vamos nos meter nisso, infelizmente nós não temos estrutura para tanto".

*O Centro Knight entrou em contato com o Valor Econômico, o Correio Braziliense, O Tempo e O Globo, mas não obteve resposta.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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