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Com “clubes de escuta”, Radio Ambulante quer aproximar América Latina do podcast

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Atualizada às 18:54 de 24/04/2019 para incluir o nome da bolsa que patrocina o projeto. 

Quando o rádio chegou às casas latino-americanas, ainda na primeira metade do século 20, famílias e vizinhos se reuniam ao redor do aparelho que trazia histórias de todo o mundo em ondas sonoras. Quase 100 anos depois, um podcast atualiza a prática da escuta coletiva para aproximar a América Latina de suas histórias e fomentar laços entre seus ouvintes.

Listening club participants in Medellín, Colombia discuss a podcast episode. (Courtesy)

São os Clubes de Escuta da Radio Ambulante, podcast de histórias latino-americanas e de latino-americanos nos Estados Unidos lançado pela colombiana Carolina Guerrero e pelo peruano Daniel Alarcón em 2012 e que desde 2016 é parte da rede de rádio pública norte-americana NPR. Os clubes têm reunido ouvintes do podcast em várias cidades da região para ouvir juntos os programas e conversar sobre eles.

A ideia é “facilitar espaços para que as comunidades de ouvintes da Radio Ambulante se encontrem presencialmente, cara a cara, e aproveitem as histórias para conversar, se conhecer melhor e fortalecer redes entre eles”, explicou Jorge Caraballo, editor de audiências da Radio Ambulante e coordenador dos Clubes de Escuta, ao Centro Knight.

O projeto começou a ser gestado no segundo semestre de 2018 e foi concretizado nestes primeiros meses de 2019 em cinco cidades latino-americanas: Quito, no Equador, Medellín e Bogotá, na Colômbia, San José, na Costa Rica, e Cidade do México, capital mexicana. Também já aconteceu em Nova York, nos Estados Unidos, para onde volta em maio, quando será realizado o último clube de escuta deste primeiro ciclo e a celebração dos sete anos da Radio Ambulante, disse o coordenador.

Segundo Caraballo, as cidades dos primeiros clubes de escuta foram escolhidas com base em onde estão os membros da equipe de Radio Ambulante, que é multinacional e está espalhada por vários países.

“Tem sido uma experiência fascinante. Aprendemos muito e recolhemos informações valiosas, e provamos que há um interesse grande dos ouvintes de podcast em não apenas escutar, o que já é muito neste ecossistema de meios em que há tanta informação, tanto ruído, mas em conversar com outras pessoas sobre o que estão escutando”, comentou ele.

Os clubes promovidos pela Radio Ambulante têm funcionado assim: as pessoas chegam ao lugar do evento e se sentam ao redor de uma mesa – “é muito importante que todos estejam vendo os rostos uns dos outros, que estejam todos no mesmo nível, que não haja pessoas mais importantes do que outras”, explicou o coordenador da iniciativa. Uma moderadora ou moderador dá as boas vindas aos presentes, explica o projeto e as razões da Radio Ambulante para realizá-lo e coloca o episódio selecionado para tocar.

As pessoas não apenas escutam o podcast em silêncio, contou Caraballo. “Lhes damos papel e lápis de cor e elas podem desenhar e colorir, para que enquanto estão escutando se concentrem em uma atividade manual.”

Ao fim da transmissão, começa o debate, com a moderadora propondo perguntas-guia a partir do episódio para que a conversa flua entre os participantes. No encerramento do evento, eles são convidados a completar um formulário de feedback, a partir do qual a equipe de Radio Ambulante tem recolhido dados muito importantes, disse o coordenador.

“A quase totalidade das pessoas diz que a qualidade da conversa em um clube de escuta é muito maior do que nas redes sociais, ou que fazem falta mais espaços para encontrar presencialmente pessoas de sua comunidade para discutir temas que lhes interessam, e que os clubes de escuta suprem essa necessidade”, afirmou.

Os episódios selecionados podem fomentar essa conversa. No primeiro clube de escuta em Nova York, no fim de fevereiro, foi apresentado um episódio inédito, que seria publicado no site dali a duas semanas. “As pessoas ficam muito atentas porque estão conscientes de que são as primeiras a escutar um episódio que será ouvido por milhares de pessoas”, comentou Caraballo. Ele acrescentou que os comentários dos primeiros ouvintes acabaram motivando pequenas mudanças na edição. “Eram coisas pequenas, mas nos ajudaram a melhorar ainda mais o episódio.”

Mas o que mais mobiliza os ouvintes são episódios que tenham uma conexão temática com os lugares em que estão sendo realizados os clubes de escuta, disse o coordenador. Em Medellín, por exemplo, um dos eventos transmitiu o episódio Narco Tours, que trata da memória coletiva da cidade em relação ao narcotraficante Pablo Escobar. “Todos tinham algo a dizer”, contou Caraballo, que coproduziu o episódio e foi o moderador desta edição do clube em Medellín.

“Quando começamos a pensar os clubes de escuta dizíamos que é muito importante que as pessoas possam se encontrar com desconhecidos de sua comunidade e refletir sobre esse contexto que as rodeia, a cidade que habitam e como a habitam”, disse Caraballo, para quem os clubes são “um projeto de formação cívica”.

“É jornalismo cidadão, de alguma maneira. Por meio dessas histórias estão surgindo conversas que podem se converter em ações que transformem o contexto dessas pessoas, que podem mobilizá-las a buscar as mudanças de que precisam”, comentou. “Você não está escutando sozinha e pode sentir que há muitas outras pessoas na sua frente com quem poderia somar forças para fazer alguma coisa.”

During listening clubs, attendees are given colored pencils and paper to draw while they listen. (Courtesy)

Além disso, os clubes de escuta realizados até o momento permitiram aos membros da equipe da Radio Ambulante “ver em tempo real o impacto das histórias, o impacto do nosso jornalismo e como aquilo em que trabalhamos por meses se converte em uma conversa e um desejo coletivo de fazer alguma coisa, de agir, e isso é muito emocionante”, observou Caraballo. “Que o jornalismo tenha esse impacto e suscite essas conversas e esses laços entre as pessoas, podemos dizer que é o ideal, é o que se espera como jornalista.”

E visto que grande parte das histórias contadas no podcast se passam na América Latina, nada mais justo que os clubes começassem a ser realizados na região. A iniciativa também é uma estratégia para ampliar o público do podcast em países latino-americanos. Segundo Caraballo, em 70% dos ouvintes do podcast estão nos EUA e 28% estão na América Latina. A Radio Ambulante tem em média 600 mil downloads por mês.

“Queremos crescer mais na América Latina e também gostaríamos que mais pessoas na região conhecessem o formato dos podcasts”, disse Caraballo, acrescentando que pesquisas realizadas pela Radio Ambulante dão conta de que novos ouvintes latino-americanos chegam ao podcast por recomendação de amigos e familiares.

“Precisamos nos aproximar dessas pessoas e acreditamos que os clubes de escuta são uma forma muito amigável de se aproximar dos podcasts e encontrar valor neles”, afirmou. “Se você ouve um episódio que te parece importante e te ajuda a entender a sua cidade de uma maneira diferente, você vai sair desse clube de escuta e recomendar o podcast a ainda mais pessoas.”

Embora quase todos os clubes de escuta realizados até o momento tenham sido moderados pela equipe do podcast, a ideia é que o modelo seja replicado por ouvintes ao redor do mundo. Para isso, a Radio Ambulante está preparando um manual com um passo a passo com as melhores maneiras para realizar um clube de escuta, válido para qualquer podcast. O manual será disponibilizado online depois de maio, quando se encerra o ciclo de testes dos clubes.

Segundo Caraballo, mais de 200 pessoas participaram dos clubes de escuta neste primeiro ciclo, realizado com o apoio de uma bolsa da News Integrity Initiative da Craig Newmark Graduate School of Journalism, da City University of New York, e mais de 100 embaixadores estão preparados para organizar clubes em 60 cidades pelo mundo.

“Gostaríamos de seguir fazendo [os clubes de escuta], mas gostaríamos ainda mais que as pessoas começassem a replicá-los espontaneamente. Quando lançamos a ideia e perguntamos se havia pessoas interessadas, nos responderam mais de 200 pessoas mencionando cidades de mais de 50 países”, comentou Caraballo. “Queremos que sejam os ouvintes [a realizar os clubes de escuta], mas também outros podcasts. Nos encantaria que outros podcasts, em inglês ou em qualquer idioma, digam a seus ouvintes: ‘hey, why don’t we do a listening club?’”

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