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Comissão Interamericana de Direitos Humanos cobra do Brasil garantias ao trabalho de jornalistas

“Inusitado”. Foi assim que o presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH-OEA), Joel Hernandéz Garcia, descreveu o momento atual de liberdade de expressão no Brasil. 

“Me parece que o Estado e a sociedade brasileiros valorizam a liberdade de expressão como base de sua democracia. E tampouco me fica a menor dúvida que no Brasil há uma sólida instituição democrática para salvaguardar este direito”, disse ele durante a audiência da CIDH-OEA que discutiu denúncias de restrição à liberdade de expressão no Brasil. “O fato de a comissão ter selecionado este tema para a agenda (...) foi a partir de uma preocupação que existe no interior da comissão pelo que vemos como ameaças, estigmatizações ao trabalho de jornalistas no Brasil.”

A audiência ocorreu na sexta-feira, dia 6 de março, em Porto Príncipe, no Haiti, durante o 175º período de audiências da CIDH. A sessão foi um pedido de 17 organizações brasileiras e internacionais. Entre elas, estão a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

Uma dos casos denunciados foi apresentado pela jornalista Helena Bertho, da Revista AzMina, uma publicação independente que cobre questões de gênero. Ela explicou que a reação da ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, a uma reportagem motivou uma série de ataques virtuais à equipe. A reportagem abordava os métodos de um aborto seguro nos locais e situações em que ele é legal e foi classificada como “apologia ao crime” pela ministra. Além dos ataques virtuais, a revista também está sendo processada a partir de um pedido de Damares Alves ao Ministério Público. 

“O simples fato de um ministério do governo federal ter se dado ao trabalho de fazer esta denúncia quando qualquer advogado poderia concluir que não havia crime nos assusta. Mostra o que está em jogo não é a lei em si, mas sim uma ameaça velada às mídias que divulgam informações que contrariam a ideologia do governo atual do Brasil”, disse Bertho durante a audiência.

Um vídeo exibido durante a audiência mostrou de vários ataques do presidente Jair Bolsonaro a jornalistas. Nas imagens, as insinuações de cunho sexual contra a repórter da Folha Patrícia Campos Mello, a “banana” aos jornalistas que cobrem o Palácio do Planalto, o comentário sobre a “cara terrível de homossexual” de um repórter, uma referência a uma possível prisão do jornalista americano Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, entre outros.

“Esses ataques contribuem para fortalecer estratégias de desinformação utilizadas por integrantes do governo, ferindo o direito da população em acessar informações sobre o estado brasileiro e políticas públicas”, disse a jornalista Renata Mielli, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

A comissária Margarette May Macaulay, relatora sobre os Direitos das Mulheres e sobre os Direitos de Afrodescendentes da OEA, disse que é preocupante quando a mais alta autoridade do estado faz comentários “depreciativo, desrespeitoso e difamatório” contra um grupo de profissionais e de mulheres.

“Isso é uma contradição direta e uma violação de seus direitos e do dever do presidente como chefe de estado de ser o líder de todos aqueles que demonstram respeito pela constituição e pelos direitos dos cidadãos. Quando o presidente diz coisas assim, outras pessoas no país tomam uma licença para tratar as mulheres dessa maneira desrespeitosa. E isso não é bom para a segurança deles,” advertiu a comissária.

Já Edison Lanza, relator especial para a liberdade de expressão da CIDH, cobrou explicações sobre a retórica de membros do governo contra a imprensa de forma geral e em particular, dirigida a jornalistas como Patrícia Campos Mello e Glenn Greenwald. 

“A política de proteção não está completa ou não é completamente eficaz e não está acompanhada de uma política de prevenção. E a política de prevenção precisa do reconhecimento público do trabalho de jornalistas. (...) Não existe uma política de proteção efetiva se se diz de maneira permanente e sistemática que a imprensa é corrupta, que [produz] notícias falsas. Isso cria um risco de violência e expõe jornalistas e meios à violência,” disse Lanza.

O comissário disse ainda que ele mesmo foi alvo do assédio virtual e ameaças por parte de brasileiros no Twitter quando a comissão publicou uma condenação aos ataques a Campos Mello.

O que disse o governo

Os funcionários do governo presentes na audiência representavam órgãos como os ministérios da Mulher, Família e Direitos Humanos, da Justiça e Segurança Pública, e das Relações Exteriores, além da Empresa Brasil de Comunicação. Nas suas intervenções, eles reafirmaram o compromisso do Estado com a liberdade de expressão e a proteção de jornalistas ameaçados. 

Sobre o caso de Glenn Greenwald, o representante do Ministério das Relações Exteriores, Daniel Leão, disse que a Polícia Federal concluiu que não havia indícios de crime do jornalista, mas o Ministério Público decidiu ofereceu denúncia “no exercício de sua independência funcional.” 

“A denúncia não foi aceita pela Justiça Federal à luz de decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou a atividade jornalística de Glenn Greenwald não passível de persecução penal. Isso demonstra que as instituições brasileiras atuam com autonomia e independência na salvaguarda dos direitos humanos,” disse Leão.

Já o secretário de Proteção Global do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Alexandre Magno, destacou a publicação, no início de março, da segunda edição da cartilha Aristeu Guida da Silva de proteção de direitos humanos de jornalistas e outros comunicadores e comunicadoras, seguindo uma recomendação da CIDH. O nome da cartilha faz referência ao jornalista assassinado em 12 de maio de 1995. Ele havia fundado quatro anos antes a “Gazeta de São Fidélis”, um periódico que divulgava rotineiramente casos de corrupção envolvendo políticos do município de 37 mil habitantes do interior do Rio.

“O governo federal não censura. O presidente expressa divergências com a imprensa, mas estas divergências fazem parte do jogo democrático. Nós reafirmamos o nosso compromisso com a liberdade de expressão e de imprensa. A imprensa cotidianamente faz todas as críticas, todos os ataques que acha pertinentes e não há nenhuma iniciativa de censura por parte do governo,” disse Magno.

Por sua vez, a jornalista Juliana Fonteles, da Abraji, contestou os esclarecimentos prestados pelos representantes do governo. Ela disse que a hostilidade do presidente com a imprensa endossa este comportamento em todos os níveis de governo.

“O governo elegeu a imprensa como inimiga, e quando faz isso elege a democracia como inimiga. Em relação à cartilha, nos parece um mero expediente argumentativo para esta audiência porque não mostra ações concretas do Estado em relação à valorização do jornalismo. Um dos tópicos da cartilha é realizar discursos públicos que contribuam para diminuir a violência contra jornalista, e é exatamente o oposto que o Executivo e outros poderes vêm fazendo,” disse Fonteles.

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