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'Estamos reconstruindo o jornalismo e isso não vai acontecer da noite para o dia', dizem participantes de café da manhã de pesquisa do ISOJ

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  • 18 abril, 2023

Por Sabrina Toppa

O painel de café da manhã de pesquisa de 15 de abril no ISOJ, presidido pela professora-doutora Cindy Royal (Universidade Estadual do Texas), explorou pesquisas sobre startups de jornalismo canadenses, redes e coletivos de jornalismo mexicanos, como os jornalistas podem enfrentar os desafios do momento atual e como os jornalistas podem envolver o público para reconstruir uma relação de confiança.

A pesquisa foi apresentada pelos professores-doutores Celeste González de Bustamante (UT Austin), Carrie Brown (Craig Newmark Graduate School of Journalism, CUNY), Alfredo Hermida (Universidade de British Columbia), e Sue Robinson (Universidade de Wisconsin-Madison).

González de Bustamante disse que coletivos de jornalismo se materializaram em todo o México para proteger os jornalistas que trabalham em circunstâncias difíceis. Ela introduziu o conceito de "periferia dupla", que descreve as condições desafiadoras enfrentadas pelos jornalistas que trabalham nas margens do México, onde enfrentam atividades ilícitas, crime organizado, dificuldades econômicas e marginalização política.

Essa dupla periferia torna seu trabalho duas vezes mais difícil e aumenta sua vulnerabilidade em comparação com jornalistas que trabalham em áreas mais centrais, como a Cidade do México ou outras grandes cidades, segundo González de Bustamante. Ela apontou que o exemplo mexicano é “um alerta para as pessoas que trabalham nos EUA” que não estão imunes a desafios semelhantes.

“Já morreram muitos jornalistas, mas o jornalismo em si não está morto”, disse González de Bustamante. Os jornalistas são capazes de mostrar resiliência contra a violência agindo coletiva e individualmente e continuando a produzir jornalismo e construindo redes jornalísticas.

“É por meio dessas redes que eles conseguiram ser resilientes e permanecer vivos”, acrescentou.

O livro dela, Surviving Mexico, inclui recomendações para melhorar a situação dos jornalistas, como fortalecer os coletivos de jornalismo, examinar a propriedade da mídia e abordar a falta de compromisso dos proprietários da mídia no México.

Novo ecossistema canadense

Já Hermida discutiu como as startups estão gerando um novo ecossistema de jornalistas e infraestrutura jornalística no Canadá. Ele apontou que houve uma mudança da mídia de massa para o jornalismo sem fins lucrativos, voltado para uma missão, que atende a comunidades específicas. Os construtores desse novo ecossistema jornalístico representam novos grupos demográficos: 40% não são jornalistas de formação, mas sim cidadãos, ativistas, líderes comunitários e empresários que sofrem com desertos de notícias em suas comunidades específicas.

Apesar dessas tendências, Hermida disse que o Canadá está gastando centenas de milhões de dólares sustentando o declínio comercial e a falha de mercado da mídia tradicional do país.O governo ainda não estendeu o apoio financeiro à próxima onda de jornalismo de base, que atende comunidades sub-representadas. 

Sua pesquisa examinou cerca de 120 organizações de notícias iniciadas desde 2000 no Canadá. Ele observou que a maioria das startups vai à falência dentro de um a três anos, e o Canadá é o lar de um dos sistemas de mídia mais concentrados do mundo. Apesar disso, o país ainda está produzindo dezenas de novas startups nos últimos 20 anos, e muitas ainda estão funcionando apesar do estresse financeiro.

“O governo está gastando centenas de milhões de dólares para apoiar a mídia, mas a maneira como essa política é estruturada beneficia a mídia tradicional mais ampla. Há muito pouco que atenda a pequenas organizações que tentam atender a uma comunidade específica”, disse ele.

Hermida disse que é importante revitalizar o cenário da mídia, dando espaço e financiamento para novas startups de mídia prosperarem, já que estão criando as estruturas para o jornalismo do próximo século.

“Estamos reconstruindo o jornalismo e isso não vai acontecer da noite para o dia”, disse ele. “A infraestrutura sempre pega carona nos sistemas existentes. Sempre há vencedores e perdedores.”

Redações em transformação

Brown, co-autora de Transforming Newsrooms com Jonathan Groves, destacou que sua pesquisa foi originalmente focada em como as redações estavam lidando com mudanças na tecnologia e nos modelos de negócios, e forneceu um modelo para a mudança de redações orientadas por pesquisas de outras áreas. Como os jornalistas poderiam mudar organizações e processos para atender o momento atual? Isso inclui avaliar cultura, estratégia, inovação e aprendizado.

Brown disse que o modelo de mudança de redação pode ser aplicado a outras mudanças pelas quais as redações estão passando hoje, como desafios à objetividade, diversidade equidade e inclusão (DEI), falta de confiança e falta de democracia.

“Seus ideais nunca vão corresponder à realidade, a menos que você esteja disposto a lidar com as coisas confusas e humanas”, disse ela.

O livro fornece um roteiro prático e conselhos para meios de comunicação que buscam melhorar a forma como fornecem informações às comunidades, bem como esperam colaborar com o público. Ela citou os exemplos da Rede de Documentadores do City Bureau ou Outlier Media como evidência de redações com envolvimento autêntico com as comunidades.

Brown também observou que a confiança é um jogo de longo prazo e nenhuma pesquisa acadêmica mostrará que o jornalismo resolveu todos os problemas em torno da confiança e da credibilidade. No entanto, ela se referiu ao aumento do número de soluções baseadas em dados, que o público pode traduzir da linguagem acadêmica para etapas mais passíveis de ação.

A apresentação de Robinson focou em como os jornalistas podem fazer parceria com organizações de notícias locais para reduzir a polarização. Seu novo livro, How journalists engage (previsto para ser publicado em 18 de abril) investigou a construção de confiança com as comunidades e como as identidades dos jornalistas podem moldar a construção de confiança.

Ela explicou que existem vários ingredientes para conquistar a confiança: atenção, responsabilidade, competência, receptividade e solidariedade. Os jornalistas devem ouvir todas as vozes para construir confiança e ir além da estenografia na reportagem e na redação. As redações também devem comprometer recursos para o engajamento.

Ela também discutiu a teoria da construção de confiança, que envolve jornalistas usando uma ética de cuidado para produzir jornalismo baseado em fatos, que representa a primeira grande mudança de paradigma da indústria em um século.

“Essa nova ética de cuidado pensa mais especificamente em cuidados e relacionamentos individualizados”, disse Robinson. “Esse novo sistema de valores está enfatizando um sistema de cuidado de uma forma que os jornalistas hesitariam.”

Brown apontou que hoje as redações e as comunidades jornalísticas incentivam e recompensam impressionar um chefe, colegas ou receber um prêmio, com os jornalistas frequentemente dizendo: “Preciso obter esta citação, preciso publicar esta matéria”, o que aponta para uma abordagem para relacionamentos de maneira mais transacional.

Conselhos práticos

No café da manhã da pesquisa, cada acadêmico foi questionado sobre o que esperava que os jornalistas profissionais pudessem tirar de suas pesquisas. González de Bustamante incentivou os profissionais a olharem para a pesquisa acadêmica existente ao noticiarem a violência contra jornalistas, uma vez que esta muitas vezes é negligenciada pelos jornalistas e pode fornecer lições úteis em outros contextos.

Robinson disse que os jornalistas costumam dizer “gostaríamos de saber algo sobre credibilidade e confiança”. No entanto, a pesquisa acadêmica já tem ideias e modelos para redações que lutam para construir confiança, promover o engajamento e impulsionar a mudança. “As pessoas estudam isso há décadas”, disse ela.

alista na plateia perguntou sobre colaborações na indústria de mídia. González de Bustamante disse que o setor sem fins lucrativos do México tem visto alguma colaboração, com algumas redes de jornalismo oferecendo treinamento e publicando suas próprias matérias como uma nova forma de resistência e colaboração.

Por fim, outro membro da plateia que ministrou cursos de mídia perguntou como fazer os alunos criarem projetos mais realistas em suas salas de aula. Hermida recomendou que os alunos buscassem o “produto mínimo viável”.

“Qual é a menor coisa que você pode fazer para testar sua ideia?” ele perguntou, dizendo que pode ser útil identificar o menor ponto de entrada, identificando os pontos problemáticos e como resolver esse problema específico.

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Biografia da autora: Sabrina Toppa é uma jornalista premiada que já escreveu para The Guardian, The Atlantic, NBC News e outras publicações. Siga-a no Twitter: @SabrinaToppa.

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