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Fórum brasileiro sobre lei de acesso à informação volta com objetivo de barrar retrocessos

Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas mudou sua composição e retomou suas atividades para fazer frente a ameaças contra a transparência pública e monitorar o cumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI) no Brasil.

O Fórum foi criado em 2003, por iniciativa da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), para pressionar governos pela aprovação de uma lei que garantisse o direito de acesso a informações públicas, já previsto na Constituição. A coalizão é composta de entidades da sociedade civil, organizações de mídia e pesquisadores.

Após a sanção da LAI, em 2011, o Fórum se voltou para o monitoramento e controle social do cumprimento da lei. Em 2017, no entanto, por falta de braços e de recursos, a coalizão entrou em um período de desmobilização. "Nessa época, não foi possível manter o Fórum, que ficou mais disperso", disse a gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji, coordenadora da coalizão, ao Centro Knight. Atualmente, o grupo conta com 21 organizações e um pesquisador.

Marina Atoji, da Transparência Brasil. Foto:Rádio Uruguay

Marina Atoji, da Transparência Brasil. Foto:Rádio Uruguay

Atoji, que participa do Fórum desde 2011, diz que o retorno foi motivado, entre outras razões, por ameaças recentes à LAI e a bancos de dados públicos. Em 2019, por exemplo, o governo do presidente Jair Bolsonaro publicou um decreto que ampliava o número de servidores que podiam impor sigilo a documentos públicos. Após forte reação da sociedade civil e do Congresso, o governo voltou atrás e revogou a decisão.

"Em 2019 teve esse ataque à LAI e, se o Fórum estivesse funcionando, poderia ter sido mais suave, mais eficiente. Então já vínhamos falando de reativar esse canal, para poder dar respostas mais rápidas a essas medidas intempestivas", explica Atoji.

A coalizão foi retomada em março de 2020, mesmo mês em que o governo federal publicou uma medida provisória suspendendo os prazos de resposta aos pedidos via LAI durante a pandemia de coronavírus. Desta vez, o Fórum já estava pronto e respondeu rapidamente, junto com outras redes parceiras.

"A medida saiu, se não me engano, de noite, e de manhã já estávamos discutindo a nota [contrária]. O texto saiu de tarde e foi veiculado em vários lugares. E, na mesma semana, começamos fazer um monitoramento do descumprimento da LAI a partir da medida provisória", disse Luiz Fernando Toledo, que representa a Abraji no Fórum, ao Centro Knight.

O jornalista, que também é vice-presidente do site especializado em LAI Fiquem Sabendo, disse que a medida provisória tinha vários problemas.

"Claro que a pandemia é um argumento forte. Os servidores estão muito sobrecarregados, muitos estão em teletrabalho e não vão poder acessar um documento presencialmente. Acho que ninguém discordaria que esses são bons motivos para recusar um pedido de informação. O que deixou todo mundo indignado é fazer uma medida provisória para isso, com várias pegadinhas: de prorrogar por tempo indefinido, de não aceitar nenhum tipo de recurso", disse ele.

A mobilização contra a decisão foi grande e saiu da bolha dos jornalistas e pesquisadores, o que Toledo considera positivo. "A LAI foi até trending topics no Twitter nesse dia, o que é interessante, porque geralmente quem não é jornalista não sabe o que é. Mas quando ela foi atacada, todo mundo percebeu a importância de ter uma lei de transparência", afirma Toledo. O artigo da medida que dizia respeito à LAI foi suspenso por liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) em 26 de março.

Segundo Atoji, além desses ataques contra a transparência, também há um receio entre jornalistas e pesquisadores de que o governo Bolsonaro dificulte o acesso a informações socioambientais. Ela afirma que havia "um risco de apagão" desses dados, o que também incentivou a retomada do Fórum.

"Durante os incêndios na Amazônia, por exemplo, Bolsonaro tentou descredibilizar os dados públicos das queimadas, isso acendeu um alerta. Há relatos de jornalistas de que sites e bancos de dados que costumavam ser atualizados semanalmente pararam de ser alimentados sem justificativa, principalmente sobre meio ambiente ou temas sociais. E, de um ano para cá, jornalistas notaram que ficou mais difícil conseguir essas informações, as respostas demoram mais", disse ela.

Ainda que a postura e medidas do atual governo sejam preocupantes, Atoji afirma que as tentativas de retrocesso não são exclusivas do mandatário.

"Desde o governo Dilma Rousseff tem havido ameaças à LAI. Já havia um enfraquecimento, inclusive orçamentário, da Controladoria-Geral da União, que é uma instância federal de controle do cumprimento da lei. Transparência pública nunca é algo que os governantes fazem por vontade própria, sempre depende de pressão da sociedade civil, de um chicote nas costas, para não voltar atrás", diz ela.

Nesse contexto, o Fórum é importante para lutar contra esses ataques, mas também para monitorar e produzir conhecimento sobre a lei, explica Atoji. A coalizão vai, por exemplo, fazer pedidos para diferentes poderes em esferas municipais, estaduais e federal, para testar o cumprimento da LAI.

"Vamos fazer pesquisas sobre as taxas de resposta e atendimentos, além de avaliação da transparência ativa. A LAI está em vigor há 8 anos e ainda há municípios e estados que não regulamentaram a lei. Então o Fórum também pode pressionar para que os políticos cumpram ao menos esse mínimo. Às vezes funciona só de mostrar que tem alguém de olho nisso", afirma ela.

Para Toledo, o Fórum também pode ser um refúgio para repórteres, quando seus pedidos não forem respondidos. "Eu, como jornalista, sozinho, sempre pensava: 'olha, teve descumprimento da LAI, com quem que eu falo? Para quem eu posso recorrer?'", conta.

Ele acredita que a coalizão, além de confrontar governos pelos retrocessos, deve exercer um papel de mediação com os poderes públicos, nos casos de descumprimento da lei. "Conversando com servidores, entendi que a mudança vem com diálogo, muita coisa é só uma falha de comunicação, um fluxo que não funciona muito bem", diz.

Uma das vantagens do Fórum é que cada entidade tem uma área de conhecimento mais específica e, assim, podem se complementar. "A Open Knowledge Brasil pode ajudar se o tema for relacionado a dados abertos, ou o ITS-Rio (Instituto Tecnologia e Sociedade) pode contribuir na interseção da lei de acesso e proteção de dados, por exemplo", diz Atoji.
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O Fórum será coordenado pela Transparência Brasil no biênio 2020-2021, como parte das ações do Achados e Pedidos. O projeto, financiado pela Fundação Ford e realizado em parceria com a Abraji, visa fortalecer a transparência e a LAI no país.

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