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Internews apresenta projetos com abordagem transfronteiriça para fortalecer ecossistemas de informação na América Latina

O meio de comunicação digital nicaraguense Confidencial é a prova de que as abordagens transfronteiriças no jornalismo podem ser a salvação de um meio sob ataque, de acordo com Enrique Gasteazoro.

Em dezembro de 2018, em meio a uma série de medidas do regime do presidente Daniel Ortega em resposta a protestos sociais, o Confidencial sofreu a invasão de sua redação em Manágua, a apreensão de equipamentos e o assédio de vários de seus funcionários, incluindo seu fundador Carlos Fernando Chamorro.

A redação do Confidencial permaneceu ocupada por dois anos, até que em 2021 foi convertida em uma casa de assistência em saúde materna administrada pelo Ministério da Saúde da Nicarágua. No entanto, o meio de comunicação sempre continuou a operar, com parte de sua equipe no exílio.

Internews representatives in the Americas speak during the 17th Ibero-American Colloquium on Digital Journalism in Austin, Texas. (Patricia Lim/Knight Center)

A equipe da Internews nas Américas explicou como a organização trabalha para melhorar os ecossistemas de informação na região. (Foto: Patricia Lim/Centro Knight)

"Estou absolutamente convencido de que as abordagens transfronteiriças são fundamentais para a resiliência da mídia", disse Gasteazoro durante sua apresentação sobre abordagens transfronteiriças para capacitar o jornalismo local e mitigar a desinformação no 17º Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital.

"Para o Confidencial, foi realmente a chave de como o meio de comunicação sobreviveu e até evoluiu.”

Gasteazoro, que foi gerente geral de Confidencial entre 2017 e 2022, disse que a crise de 2018 na Nicarágua encontrou o meio digital em um momento de romper os limites estabelecidos, como a fronteira entre negócios e jornalismo que existia nas décadas anteriores. O meio começou a aplicar uma abordagem de produto e princípios de design thinking à maneira como fazia jornalismo e em seu relacionamento com seu público e anunciantes.

"O que a crise fez foi apenas acelerar o compromisso do meio com tudo isso", disse Gasteazoro, que agora é diretor de projetos nas Américas da Internews, uma organização sem fins lucrativos que apoia a mídia independente em mais de 100 países em sua luta pela sustentabilidade contra a desinformação.

Gasteazoro participou do painel junto com seus colegas Julia Knoerr e Pablo Arcuri, associado sênior do programa e diretor regional das Américas da Internews, respectivamente.

Seu trabalho na Internews, disse Gasteazoro, é ajudar outros meios de comunicação da região a ultrapassar fonteiras além das geográficas, como fez o Confidencial. Por exemplo, as fronteiras entre jornalismo e negócios, tecnologia ou formatos inovadores.

Apresentou o Projeto Regional para a Mídia da América Central, que visa promover uma abordagem colaborativa e transfronteiriça na mídia independente e entre jornalistas da sub-região. Isso para fortalecer a gestão e o desenvolvimento de audiências e a construção de relacionamentos institucionais e colaborativos, que, segundo ele, são competências essenciais para a resiliência e a segurança dos ecossistemas de informação.

De acordo com Gasteazoro, é essencial que a Confidencial aprenda com a mídia de outros países em situações semelhantes, habilidades como gerenciar redes de repórteres clandestinos ou se preparar para leis que restringem a liberdade de expressão. Ele também destacou a importância do meio salvadorenho El Faro para a sobrevivência da Confidencial, e disse que o meio nicaraguense tem sido de grande apoio para que El Faro possa continuar a reportar sobre El Salvador, agora da Costa Rica.

"Esse projeto em particular tem um enorme potencial para fortalecer a resiliência e o impacto do ecossistema de mídia da América Central", disse ele.

Arcuri disse que a Internews trabalha para melhorar os ecossistemas de informação que são compostos não apenas por veículos de mídia, mas também por outros elementos, como cidadãos engajados, acesso aberto a notícias, diversidade de produtores de informação, um ambiente legal favorável aos direitos, modelos de negócios viáveis, informações precisas e segurança para todos esses componentes.

"Essa democratização da mídia é importante. Obviamente, reconhecemos muito bem a prática do jornalismo, mas também acreditamos que todos têm o direito de consumir e produzir informações", disse Arcuri. "A perspectiva que buscamos é justamente melhorar a criação de conteúdo para que haja conteúdo de qualidade, que seja verdadeiro e que também seja relevante para os consumidores.”

Arcuri disse que hoje na América Latina existe um modelo de jornalismo transfronteiriço que surgiu quase por acaso, que é o jornalismo no exílio. Além do Confidencial e do El Faro, agora há meios de pelo menos cinco países trabalhando no exílio, disse ele.

"[O jornalismo no exílio] está apresentando novos desafios de como nos estabelecemos, como nos comunicamos, como continuamos a reportar do exílio", disse ele. "Também estamos vendo muito sobre como há novas maneiras de inovar."

Internews journalists Pablo Arcuri, Enrique Gasteazoro and Julia Knoerr speak during the 17th Ibero-American Colloquium on Digital Journalism in Austin, Texas. (Patricia Lim/Knight Center)

Enrique Gasteazoro disse estar convencido de que as abordagens transfronteiriças são fundamentais para a resiliência dos meios de comunicação. (Foto: Patricia Lim/Centro Knight)

Sobre o papel dos cidadãos nos ecossistemas de informação, Arcuri disse que a Internews percebe uma crise de credibilidade na mídia em quase todos os países da América Latina. A organização registra baixos índices de credibilidade de até 15%, o que representa um fator que promove a desinformação.

"No momento, há um divórcio muito, muito forte entre a mídia e seu público", disse ele. "Apenas 15% das pessoas realmente acreditam no que estão consumindo. E as que acreditam, às vezes não confiam no meio em si, elas confiam em jornalistas específicos desse meio."

Arcuri disse que o trabalho da Internews na região também inclui a promoção de estratégias para reconquistar a confiança do público.

Somado a isso está a crise de segurança que o jornalismo enfrenta na região. A abordagem transfronteiriça promovida pela Internews, disse Arcuri, inclui abordar a segurança dos jornalistas, não apenas a segurança física e digital, mas também a segurança psicoemocional.

Na esteira da desinformação

A desinformação é um fenômeno que transcende as fronteiras geográficas, temáticas e disciplinares, portanto, as abordagens transfronteiriças ao jornalismo também enfatizam o combate ao impacto das notícias falsas e da desinformação, disse Knoerr durante o painel.

A associada sênior do programa da Internews disse que, no nível hiperlocal, a desinformação opera de forma diferente em cada comunidade, portanto, é necessária uma estratégia regional colaborativa para combatê-la.

Knoerr disse que a Internews está implementando o projeto Mitigando a Desinformação na América Latina e no Caribe, que envolve a pesquisa dos ecossistemas de informação de três populações com altos níveis de desinformação em Bolívia, El Salvador e Brasil.

"Estamos fazendo pesquisas sobre ecossistemas de informação que servem de base para nossa abordagem de trabalho em nível regional", disse Knoerr. "Todo esse trabalho está sendo feito em conjunto com organizações locais que já têm a confiança da comunidade e estão muito próximas do que está acontecendo.”

Algumas das tendências que foram descobertas até agora no projeto são que os níveis de desinformação nessas populações aumentam em épocas de crises sociopolíticas, crises ambientais e períodos eleitorais, disse Knoerr. Eles também descobriram que os principais atores que geram desinformação são figuras políticas.

A pesquisa, acrescentou ela, servirá de base para a elaboração de estratégias e ações para mitigar a desinformação. Em colaboração com organizações locais e uma organização regional, eles buscarão desenvolver campanhas de alfabetização na mídia e treinamentos para membros das comunidades afetadas sobre como a desinformação opera e como identificar fontes específicas de informações falsas ou enganosas.

"Queremos capacitar membros da comunidade, jornalistas, defensores dos direitos humanos e líderes comunitários a consumir informações de forma mais crítica e a mitigar a desinformação", disse Knoerr.

Arcuri disse que outro projeto da Internews em andamento é um programa de treinamento para jornalistas sobre reportagens ambientais na Amazônia, que será realizado em parceria com a CONNECTAS.

Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital é um encontro anual de jornalistas da região organizado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. Tradicionalmente, é realizado no domingo seguinte ao encerramento do Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ) e, neste ano, foi realizado em 14 de abril. O vídeo com a gravação completa do 17o Colóquio pode ser encontrado aqui.

Traduzido por Carolina de Assis
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