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Jornalista peruana enfrenta novo processo e denuncia campanha de difamação contra ela

A jornalista peruana Paola Ugaz enfrenta um novo processo por difamação agravada, desta vez pelo diretor do portal de informações peruano La Abeja. Este é o mais recente incidente jurídico da jornalista em relação à sua apuração jornalística – publicada em livros, artigos e por sua aparição em um documentário – sobre o Sodalicio de Vida Cristiana, uma comunidade eclesiástica ligada à Igreja Católica no Peru.

Paola Ugaz

Jornalista peruana Paola Ugaz. (Foto: Flor Ruiz/Amnistía Internacional)

Paralelamente, ela tem sido alvo de outros meios de comunicação no país, que afirmam que ela comete atos ilícitos. Grupos que defendem a liberdade de imprensa e seus colegas jornalistas saíram em sua defesa.

A primeira audiência virtual do processo de difamação de La Abeja contra Ugaz ocorreu em 21 de setembro perante o Nono Tribunal Criminal de Lima. Neste foi apresentado o caso de difamação contra Ugaz do diretor de La Abeja, Luciano Revoredo, que pediu 200 mil novos sóis (cerca de US$ 56 mil) de reparação e três anos de prisão para a jornalista.

Carlos Rivera, advogado de Ugaz, disse à LatAm Journalism Review (LJR) que na audiência eles creditaram que Paola é vítima de uma "campanha de demolição e ataque" que La Abeja vem desenvolvendo desde o final de 2018. "Apresentamos como evidência 23 editoriais de La Abeja contra ela, todos muito virulentos e ofensivos."

La Abeja e outras publicações peruanas, como o jornal Expreso e a Willax TV, publicaram várias notas editoriais e jornalísticas nos últimos meses em que ligam Ugaz a um caso de lavagem de dinheiro, entre outros atos ilícitos.

Revoredo disse à LJR que processou Ugaz por ela ter dito em várias entrevistas à mídia peruana que seu portal é difamatório.

"Após várias publicações que fizemos sobre o trabalho que Paola Ugaz e Pedro Salinas vinham fazendo e, sobretudo, porque cobrimos o julgamento que tiveram com o arcebispo de Piura, algo obviamente a incomodou e por isso foi expressa assim, mas ela não disse a verdade. Por isso pedimos a retificação", disse Revoredo. A primeira carta autenticada no caso foi enviada à Ugaz em julho de 2019, disse o diretor do portal.

Até julho de 2019, os editoriais de La Abeja publicados sobre Ugaz são “El falso testimonio de Paola Ugaz”, “Paola Ugaz: la tuitera de la corrupción”, “Paola Ugaz el rostro de la difamación y la mentira”, “Mitad corruptos, mitad encubridores”, “Cuando atacar a la iglesia es un negocio”, entre outros.

Ugaz disse à LJR que "é casual", porque os ataques de La Abeja começaram após o processo contra ela movido pelo Arcebispo de Piura, José Antonio Eguren. "Antes disso, eu não existia para a La Abeja, até o julgamento começar", disse Ugaz.

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Jornalistas peruanos Paola Ugaz e Pedro Salinas. (Divulgação)

Há cinco anos, Ugaz e seu colega peruano e jornalista Pedro Salinas têm coberto jornalistamente os movimentos e ações da comunidade eclesiástica Sodalicio de Vida Cristiana. Salinas, com a colaboração de Ugaz, publicou em 2015 o livro "Meio Monges, Meio Soldados", no qual denunciou atravésde depoimentos abusos sexuais contra menores que teriam sido cometidos dentro do Sodalicio de Vida Cristiana, por membros dessa comunidade eclesiástica.

Além do impacto do livro nos anos seguintes à sua publicação, um documentário da Al Jazeera foi feito em 2018, que teria revelado uma suposta grilagem de tierras em Piura pela Sodalicio e sua empresa imobiliária. A partir desse documentário, e devido à sua colaboração nele, Ugaz foi processado pelo Arcebispo de Piura e Tumbes por difamação agravada. Meses depois, depois de ser fortemente criticado por outros líderes da igreja e organizações de liberdade de expressão, o bispo retirou o processo.

O arcebispo Eguren faz parte do Sodalicio e, segundo Ugaz, fez parte da geração fundadora desse grupo no Peru, há mais de 40 anos.

Revoredo negou que a cobertura desta notícia sobre Ugaz em suas colunas foi devido a uma ligação pessoal ou La Abeja com o Sodalicio. Seu portal é conservador, pró-vida, pró-família, cobrindo questões políticas e assuntos internacionais atuais, disse Revoredo. "E, sim, há uma seção dedicada ao tema da Igreja", acrescentou.

Em 27 de outubro, o juiz que ouviu o caso Revoredo v. Ugaz decidirá se abrirá ou não um processo judicial contra a jornalista, informou Rivera.

Atualmente, Ugaz responde a três processos. Segundo a jornalista, dois são de Carlos Gómez de la Torre, ex-gerente geral da empresa imobiliária Miraflores Peru que segundo Ugaz é ligado ao Sodalicio. Gómez de la Torre entrou com o mesmo processo de difamação contra Ugaz tanto em Piura quanto em Lima. O advogado da jornalista disse que o julgamento de Lima foi vencido e contestado por Gómez de la Torre, mas que ainda não há decisão do juiz sobre isso; o de Piura ainda está pendente.

"Também tenho quatro denúncias fracassadas ao Ministério Público Anticorrupção de Edgardo Palomino Martínez, [que me acusa] de pertencer à organização criminosa da [ex-prefeita] Susana Villarán."

"O uso de processos de difamação criminal para intimidar e silenciar jornalistas peruanos como Paola Ugaz existe há muito tempo", disse Natalie Southwick, coordenadora do Programa Central e Sul-Americano do Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ), segundo a organização.

O CPJ instou as autoridades peruanas a encerrar a campanha de assédio legal contra Ugaz. Também exigiu que o Código Penal fosse uma mudança para que a difamação não fosse mais usada contra jornalistas investigativos e que o Peru cumprisse as normas internacionais.

A embaixadora do Reino Unido no Peru, Kate Harrisson, disse no Twitter que "a liberdade de imprensa deve ser respeitada e protegida. Nossa solidariedade com Paola Ugaz e Pedro Salinas".

Campanha de difamação contra Ugaz

O jornal Expreso e Willax TV publicaram nos últimos dois meses uma série de colunas editoriais e notas de jornais que acusam Ugaz de ter lavado dinheiro quando trabalhava para o prefeito de Lima. Ugaz negou ter cometido lavagem de dinheiro e disse que não conhecia as pessoas com quem esses meios de comunicação a ligam em supostas irregularidades. O advogado do jornalista argumentou que eles enviaram cartas autenticadas em cartório para os meios de comunicação solicitando sua retificação. No entanto, eles ainda não recebem nenhuma resposta, acrescentou Rivera.

Em uma coluna recente no Expreso, a jornalista Mariella Balbi criticou ao Ministério Público por não abrir processos judiciais contra Ugaz com as informações que teriam sido reveladas por investigações de Expreso. O jornal publicou algumas supostas conversas entre Ugaz e várias outras pessoas com quem ele teria coordenado transações irregulares de grandes somas de dinheiro.

"Os amigos da mídia do regime e o réu [Ugaz] calam a boca, sabendo que a denúncia é real. Mas para o Ministério Público encobri-lo e silenciá-lo com vergonha é inaceitável. Será por causa da amizade de Ugaz com o promotor Pablo Sanchez", conclui Balbi em sua coluna.

Quando Balbi foi consultada sobre a coluna que escreveu sobre Ugaz, a jornalista respondeu à LJR que Ugaz no Peru "ninguém a persegue ou ataca, muito menos por seu trabalho sobre o Sodalicium, como ela costuma mencionar". "Eu comentei sobre essa notícia [dos bate-papos], eu não escrevi sobre a senhora que ele menciona", esclareceu.

No início de setembro, o diretor de La Abeja publicou uma coluna editorial em seu portal citando as informações do Expreso contra Ugaz.

O tabloide La Razón publicou na quinta-feira, 15 de outubro, a nota "Os intocáveis", na qual cita repetidamente o jornal Expreso e suas anotações sobre o suposto caso de lavagem de dinheiro que Ugaz teria incorrido com a suposta cumplicidade de Salinas. Na nota, o tabloide também publicou os endereços em Lima das propriedades de Salinas, de seus filhos, de Ugaz e de uma suposta terreno que ela teria nos arredores de Lima.

La Abeja reproduziu a Nota de La Razón no dia seguinte.

Screen Shot de LaAbeja.pe

(Captura de tela)

Nos próximos dias, disse Rivera, eles apresentarão uma denúncia contra o jornal Expreso que continua a apontar para Ugaz ter lavado dinheiro quando ela era chefe da área de comunicação da Prefeitura de Lima em 2013 da então prefeita de Lima, Susana Villarán. A ex-prefeita está em prisão preventiva por ser investigada no caso Lava-Jato por supostamente receber dinheiro da construtora brasileira Odebrecht durante sua gestão.

O blog peruano Útero publicou que os supostos atos de corrupção de Villarán foram após o período em que Ugaz trabalhou no município.

Há uma semana, circula uma carta de apoio para Ugaz, que foi assinada pelo Prêmio Nobel de Literatura de 2010, Mario Vargas Llosa e por várias personalidades políticas, acadêmicos, artistas e colegas jornalistas peruanos e estrangeiros. Nele, eles expressam sua solidariedade pelos ataques nas redes sociais e aos meios digitais e escritos dos quais Ugaz tem sido alvo nos últimos meses.

"Ugaz tem um histórico impecável na defesa dos direitos humanos e no jornalismo investigativo. Seu trabalho vem expondo os abusos sexuais, físicos e psicológicos perpetrados pela organização religiosa Sodalicio de Vida Cristiana (SVC). Diante da iminente publicação de um segundo livro sobre as finanças da organização religiosa investigada há 10 anos; o assédio legal e midiática contra Paola Ugaz continua e segue aumentando", diz a carta.

Até agora, essa iniciativa cidadã coletou 2.300 assinaturas de apoio e circulará até 27 de outubro, data em que ocorrerá a segunda audiência do processo de difamação de Revoredo contra Ugaz.

Ameaça de morte

Ugaz, ela disse, foi ameaçada de morte em 2 de outubro por um homem na rede social Instagram. O sujeito disse que a seguiu no Twitter e a chamou de esquerdista feia e retrógrada. "Vão morrer, vermelhos, está chegando o Charlie Hebdo peruano, vamos enchê-los de chumbo", disse ele na ameaça.

O site peruano IDL-Reporteros alertou em uma thread no Twitter que essa ameaça deve ser investigada como preparação para um ataque terrorista. "O ataque a Charlie Hebdo foi uma sangrenta ação terrorista internacional que provocou o horror do mundo e a solidariedade com as vítimas", disse o médium.

O Instituto Imprensa e Sociedade (IPYS) rejeitou a ameaça de morte e todos os ataques a Ugaz e exigiu que as autoridades investigassem a ameaça e sancionem os responsáveis.

"Eu não saio mais sozinha", disse Ugaz. A jornalista comentou que eles relataram a agressão no Instagram à Divisão Anti-Sequestro da Diretoria de Investigação Criminal da Polícia Nacional (Dirincri).

Após a recente nota de La Razón com fotografias e informações da casa de Ugaz e Salinas, o jornalista ampliou a denúncia feita alguns dias antes, sendo agora alvo de um ato terrorista. A acusação decidirá nos próximos dias se abrirá uma investigação sobre isso.

Ugaz refletiu sobre os anos que dedicou à sua apuração sobre Sodalicio: "Não me arrependo de nada". "Esta pesquisaa de 10 anos me fez conhecer pessoas maravilhosas, os sobreviventes do Sodalicio, que fizeram eu e Pedro sentirmos que a caixa de Pandora que abriu com 'Meio Monges, Meio Soldados' há 5 anos, valeu a pena."

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