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Jornalistas no Brasil e na Colômbia têm no podcast um aliado para refletir sobre a profissão

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  • 20 fevereiro, 2019

Por Carolina de Assis e Silvia Higuera

Um encontro profissional em 2012 levou o jornalista brasileiro Rodrigo Alves a criar um projeto que, seis anos depois, passaria a ser uma de suas paixões. Naquele ano, Alves foi a Londres cobrir os Jogos Olímpicos e lá conheceu Dorrit Harazim, jornalista com 53 anos de profissão e que em 2017 foi agraciada com o prestigioso prêmio Maria Moors Cabot, da Universidade de Columbia.

“Ela é uma referência para mim, cujo texto eu considero o melhor no Brasil”, disse Alves ao Centro Knight. “Lá eu fui apresentado a ela e nós trabalhamos no mesmo ambiente, e ali me deu um estalo de que seria legal saber qual é o método dela, como ela escreve, como ela constrói os parágrafos, será que ela escreve tudo de uma vez ou aos poucos? Ali tive essa ideia de entrevistar jornalistas”, contou sobre o lampejo que, seis anos depois, foi concretizado no podcast Vida de Jornalista.

Alves é um dos profissionais da região que apostou nos podcasts para contar histórias do próprio jornalismo, assim como das pessoas na profissão. Nos últimos dois anos, o podcast tem sido abraçado por meios jornalísticos na América Latina, principalmente para reportagens, entrevistas e debates sobre questões da atualidade. Já estes jornalistas estão voltando o microfone para as pessoas por trás das notícias e examinando o estado atual da imprensa.

Lançado em agosto de 2018, Vida de Jornalista é produzido e apresentado por Alves, que formou-se como jornalista há 20 anos e passou pelas redações do impresso Jornal do Brasil e do site Globoesporte.com e hoje é comentarista de basquete do canal SporTV.

Rodrigo Alves, apresentador do podcast Vida de Jornalista, com Malu Gaspar, repórter da revista piauí e uma das entrevistadas do programa. (Foto: Arquivo pessoal).

Rodrigo Alves, apresentador do podcast Vida de Jornalista, com Malu Gaspar, repórter da revista piauí e uma das entrevistadas do programa. (Foto: Arquivo pessoal).

O programa traz a cada episódio uma entrevista com um profissional contando sobre sua trajetória e refletindo sobre os desafios de ser jornalista no Brasil no fim dos anos 2010. Embora tenha se concretizado como um podcast, a ideia inicial de Alves era fazer entrevistas em vídeo, mas isso impunha restrições como o alto custo de produção e a limitação geográfica, pois ele só poderia gravar no Rio de Janeiro, onde mora.

A ideia de entrevistar jornalistas passou seis anos na gaveta e foi colocada em prática a partir da experiência de Alves no podcast 2 Pontos, lançado em junho de 2018, com foco em basquete e apresentado por ele e Rafael Roque. “É um formato de que eu já gostava muito e que acho que funciona bem. É mais fácil de produzir, o investimento em equipamento nem se compara com o que seria para fazer vídeo e eu posso gravar com pessoas de outros lugares, via Skype”, disse.

Menos de seis meses depois da estreia, o Vida de Jornalista já passou de 12 mil downloads, segundo Alves, e já chegou a seu 24o episódio, que traz uma entrevista com o jornalista Ariel Palacios, correspondente em Buenos Aires da GloboNews e do SporTV. Entre outros nomes importantes do jornalismo brasileiro que já foram sabatinados por Alves no podcast estão Malu Gaspar, repórter da revista piauí e apresentadora do podcast Foro de Teresina; Bruno Paes Manso, jornalista especializado na cobertura de violência urbana e segurança pública; Renata Lo Prete, âncora do Jornal da Globo e apresentadora da GloboNews; e Rodrigo Vizeu, responsável pelos podcasts Presidente da Semana e Café da Manhã, da Folha de S. Paulo.

Em pauta estão sempre os bastidores dos trabalhos mais significativos de cada profissional e suas vivências e impressões diversas do jornalismo. O público que interage com os perfis do podcast no Twitter e no Facebook é majoritariamente formado por estudantes de jornalismo, disse Alves, mas também há profissionais já estabelecidos na profissão como ouvintes.

Um dos feedbacks mais marcantes até agora, contou Alves, foi de um universitário que disse que antes de se matricular no curso de Direito havia cogitado estudar Jornalismo. “Ele falou que depois de ouvir o episódio da Renata Lo Prete, trancou a faculdade de Direito e foi para a faculdade de Jornalismo porque entendeu que era o que ele queria fazer. Não sei se isso foi muito bom para ele, mas às vezes a gente consegue inspirar alguém a seguir na profissão. Acho que a profissão está precisando de umas inspirações, porque não está muito fácil”, brincou.

Estudantes de jornalismo no comando

Depois de quase dez anos na rádio CBN, do Grupo Globo, o jornalista e professor universitário Julio Lubianco também apostou no formato e fundou a Fábrica de Podcasts. A produtora de um homem só tem Lubianco jogando em todas as posições: ele grava, edita e distribui os programas, entre os quais estão Jornalismo em Ação.Ondas de rádio e microfone

O podcast produzido por Lubianco tem uma proposta parecida ao Vida de Jornalista, de Rodrigo Alves, mas com um twist: são alunos de radiojornalismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) quem entrevistam jornalistas sobre os bastidores de suas reportagens mais memoráveis.

“A ideia é fazer com que eles saibam reconhecer o que é uma boa reportagem, um bom trabalho jornalístico, e corram atrás de um jornalista que esteja no mercado. É quase como pedir uma aula particular”, brincou Lubianco em conversa com o Centro Knight. “A gente discute muito pouco como fazer jornalismo, como se consegue uma informação, de onde vem a ideia de pauta, como se teve acesso a essa fonte ou personagem… Os alunos estão estudando para isso e aí conseguem na prática uma conversa com alguém”, explicou.

Lubianco ressalta que não se trata de um podcast profissional: os alunos são os responsáveis pela produção, gravação e edição dos programas, no que muitas vezes é seu primeiro contato com o formato e até a primeira vez que conduzem uma entrevista. Mas também por isso trata-se de uma oportunidade valiosa para os estudantes.

“Além da prática do podcast, eles estão treinando várias outras habilidades jornalísticas, como produção de pauta e entrevista. Com a possibilidade de juntar, dentro de sala de aula, teoria, prática e a viabilização de um produto, eles podem pensar nisso como uma possibilidade de carreira”, observou.

O debate sobre a carreira jornalística foi o centro do podcast Primeiros Passos, do BRIO, que Lubianco produziu e apresentou entre maio e novembro de 2018. O programa trouxe entrevistas com jornalistas que atuam no programa de mentoria da iniciativa, explorando o começo e a trajetória de cada profissional.

“Uma demanda grande dos alunos é saber como começar na carreira. Juntei esse interesse deles com o interesse do público do BRIO, formado em boa parte por jornalistas jovens, e entrevistei alguns jornalistas que já deram os primeiros passos há algum tempo para lembrar como foi esse início, quais foram as dificuldades e como eles as superaram”, contou.

Lubianco considera que, no Brasil, o mercado e a prática de jornalismo são pouco discutidos pelos profissionais, que estão dispostos a debater questões mais gerais e menos inclinados a falar de sua própria situação.

“Fala-se muito em liberdade de expressão, mas discute-se pouco o mercado de trabalho, a remuneração, a jornada... Isso fica às vezes por conta de um discurso mais sindical, com o qual algumas pessoas têm certo preconceito, mas é fundamental para nossa vida e para nossa saúde física e financeira”, afirmou.

Voltando o olhar para os meios colombianos

Semelhante às considerações de Lubianco no Brasil, o desejo de criar um espaço para a crítica de mídia na Colômbia levou uma equipe no país a criar o Presunto Podcast.

A diferença é que, para essa equipe de podcast, não é apenas uma discussão sobre o mercado de trabalho, mas sobre como o jornalismo está ocorrendo no país. Algo necessário, de acordo com o programa, em tempos em que abundam notícias fraudulentas e a importância do jornalismo na sociedade parece ser cada vez mais questionada.microfone e computador

"Pouco se fala na Colômbia sobre o trabalho que a mídia faz e seu papel na construção de imaginários. Os jornalistas não se auto-criticam e é por isso que este é um espaço para olhar o trabalho que estamos fazendo para cobrir a realidade do país”, afirma um post no Twitter do podcast, que lançou seu primeiro episódio em junho de 2018.

Um caso claro dessa falta de autocrítica foi identificado pela equipe em 2017, quando graves alegações de assédio trabalhista foram feitas por jornalistas do jornal La República, o que gerou pouca cobertura noticiosa.

"Uma primeira reflexão que fizemos [é que a mídia] diz muito 'vamos falar sobre poder ou sobre pessoas, mas não sobre nós'. Como se fosse um apoio de uma aliança de silêncio que detectamos naquele momento", Sara Trejos, jornalista, socióloga e gerente cultural que liderou a criação deste podcast e é sua moderadora, disse ao Centro Knight.

Trejos, que também é embaixadora da organização sem fins lucrativos SembraMedia na Colômbia, já havia detectado a falta de autocrítica na mídia quando as coisas dão errado e por isso ela quis fazer algo a respeito. Ela havia notado que Carlos Cortés, advogado e criador do videoblog de opinião La Mesa de Centro, tinha espaço no site La Silla Vacía, onde ocasionalmente fazia críticas à mídia.

No entanto, este espaço não era regular, aparecia "quando ele via algo que chamava sua atenção", segundo Trejos.

Por isso, ela aproveitou o Festival de Jornalismo Gabo, realizado anualmente pela Fundação para o Novo Jornalismo Ibero-americano (FNPI) em Medellín, para propor a Cortés que fizessem algo mais regular. Após uma temporada como bolsista do Centro Internacional de Jornalistas (ICFJ), Trejos voltou à Colômbia com todas as ferramentas e ideias para desenvolver um podcast sobre este tema, porque ela viu um potencial único nesta plataforma de áudio.

O objetivo era claro: monitorar os meios colombianos para analisar como eles cobrem determinada notícia ou tema e, assim, ser capaz de criticar o que acontece.

"Sempre pensando nisso a partir da postura de uma conversa agradável e do humor para facilitar a digestão do assunto", explicou Trejos. "Queremos que as pessoas também se divirtam muito com o podcast, como nós. É um momento em que nos encontramos com amigos, para conferir a imprensa local".

Para conseguir essa conexão entre amigos, ela e Cortés fizeram uma ligação entre seu círculo mais próximo, com pessoas que conheciam trabalhando no tema da mídia, mas que não necessariamente trabalhavam em tempo integral em uma organização de mídia.

Eles contataram pessoas da Fundação para Liberdade de Imprensa (FLIP) porque elas dão um toque conceitual ao assunto com o qual estão lidando, por exemplo, a censura na mídia.

"Especificamente, não queríamos tanto jornalistas, mas pessoas que estavam no ambiente e, de alguma forma, poderíamos fazer as críticas um pouco mais distante do trabalho da redação", disse Trejos.

E foi assim que eles formaram a equipe principal do podcast. Além de Trejos e Cortés, a equipe é composta por Pedro Vaca, diretor executivo da FLIP; Jonathan Bock, coordenador do Centro de Estudos de Liberdade de Expressão da FLIP; María Paula Martínez, cientista política responsável pelo Centro de Estudos de Jornalismo da Universidad de Los Andes até 2018 e atualmente diretora de comunicações do Ministério da Cultura; Santiago Rivas, artista plástico e apresentador de televisão dedicado à arte e à cultura; e Sebastián Payán, escritor literário, jornalista da revista 070 e editor do 070 Podcasts.

Em seus sete meses de existência, eles publicaram 22 episódios. Eles tentam seguir o mesmo padrão para cada episódio: Trejos propõe um tema e monitora alguns meios de comunicação, eles compõem uma equipe de quatro pessoas para cada episódio em que eles acompanham as redes sociais, meios regionais e cada vez mais procuram enfatizar conceitos que cercam a mídia: censura, estigmatização, liberdade de expressão, objetividade, propriedade da mídia, entre outros. Finalmente, entre Payán e Trejos, eles cuidam de todo o processo de pós-produção.

Trejos, no entanto, acredita que eles podem melhorar no monitoramento de notícias. Um dos objetivos do Presunto Podcast é criar um observatório de mídia em um futuro próximo. Para isso, diz ela, a primeira coisa é posicionar o projeto e, assim, solicitar subsídios. Por enquanto, a equipe acaba de abrir uma página de crowdfunding no site Patreon para obter financiamento, que até agora consistia em recursos dos membros da equipe.

Equipe do Presunto Podcast: Sebastián Payán, Sara Trejos, Carlos Cortés, Pedro Vaca, María Paula Martínez, Santiago Rivas e Jonathan Bock. (Foto: Divulgação).

Equipe do Presunto Podcast: Sebastián Payán, Sara Trejos, Carlos Cortés, Pedro Vaca, María Paula Martínez, Santiago Rivas e Jonathan Bock. (Foto: Divulgação).

No entanto, para a equipe, não foi fácil medir seu impacto porque não há tecnologia que permita obter métricas precisas. Eles sabem que, com os episódios lançados até hoje, alcançaram quase 27 mil reproduções, mas não sabem se os episódios inteiros estão sendo ouvidos.

"Achamos que é um número interessante, especialmente nesta cultura, pois aqui não há cultura de podcast. As pessoas não entendem quando você diz que está em um podcast, você tem que mostrar às pessoas como baixar o aplicativo, como se inscrever, dizer ‘isso pode ser feito no celular’. Estamos em um processo de evangelização com isso", disse Trejos.

De fato, embora novos podcasts tenham sido criados no país, um estudo do "Estado do áudio digital na Colômbia 2018" da Audio.ad mostrou que, de uma amostra de 1.047 pessoas, 19% dos entrevistados ouvem podcasts. No entanto, de acordo com plataformas como o Spotify e o Apple Podcast, em 2018, o Presunto Podcast foi um dos podcasts independentes que se destacaram no país, informou o El Tiempo.

Apesar de eles ainda estarem procurando novas maneiras de obter métricas precisas, a equipe viu o impacto de seu trabalho em suas contas do Twitter. Embora seus seguidores, de acordo com Trejos, continuem entre seus círculos mais próximos - amigos de amigos - eles viram a participação ativa do público através do que chamaram de "titulastre". É uma brincadeira com as palavras "manchete" e "desastre" em espanhol, para destacar as manchetes que são "hilárias" ou que são mal formuladas e, portanto, causam desinformação.

De acordo com Trejos, desde que começaram com este projeto, eles recebem entre 10 e 30 exemplos de manchetes ruins na caixa de entrada de cada um dos panelistas ou no perfil do Presunto, o que para eles mostra que o público está prestando atenção.

"Quando eles perceberam que havia feedback nosso e que algumas dessas manchetes apareceram no programa, as pessoas começaram a ver a mídia com olhos mais críticos, e eu sinto que essa é uma contribuição interessante", disse Trejos. "Eu não sei quantas pessoas estamos alcançando com isso, mas aqueles que estão participando são um ganho incrível porque não estão apenas ignorando as notícias, mas dizendo à mídia, 'ei, isso não é notícia, você está perdendo tempo tentando ganhar cliques’. E se as pessoas estão fazendo essas perguntas, estamos ganhando".

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