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Jornalistas peruanos são denunciados criminalmente pelo governo por supostamente revelar segredos de Estado

A equipe de reportagem do noticiário dominical Panorama foi indiciada criminalmente pelo ministro de Defesa peruano Jakke Valakivi após divulgar uma reportagem mostrando documentos oficiais secretos que evidenciariam suposto desvio de recursos do Serviço de Inteligência do Exército. Os jornalistas podem sofrer pena de até 15 anos de prisão pelo crime de traição à pátria.

De acordo com o blog da jornalista Karina Novoa, que estava no comando da reportagem em questão, a denúncia do governo é por "crimes contra o Estado e a Defesa Nacional, atentados contra a segurança e traição à pátria, na forma agravada de revelação de segredos nacionais”.

trabalho jornalístico, divulgado em 17 de abril de 2016, revela uma prestação de contas irregular referente a despesas do setor de inteligência do Exército peruano durante o mês de Setembro de 2015, realizadas na conturbada região do Vale dos rios Apurímac, Ene e Mantaro (Vraem). Nesta área convergem ações de tráfico de drogas e terrorismo, como as do grupo Sendero Luminoso.​

"Parceiros fantasmas, faturas inchadas, despesas injustificadas e deficiências do setor de inteligência" no interior do Comando especial do Vraem é o que denuncia a reportagem, que segundo o ministro Valakivi revela planos de inteligência.

Segundo Novoa, a reportagem consultou um documento autêntico, original, numerado (204 páginas sobre a gestão dos recursos no Vraem durante o mês de setembro de 2015), com carimbos e assinaturas de aprovação do alto comando do Vraem.

A reportagem foi publicada poucos dias depois de uma emboscada terrorista no Vraem, que matou 10 pessoas, sendo oito deles soldados.

O documento que registra estes dados é classificado como segredo de Estado. No entanto, o General César Astudillo Salcedo, Inspetor Geral do Exército peruano, é entrevistado pela reportagem na sede oficial militar conhecida como El Pentagonito, e responde diante das câmeras às perguntas da repórter sobre as supostas irregularidades nos gastos identificados no documento secreto.​

De acordo com o jornal La República, Rosana Cueva, diretora jornalístico do programa Panorama, transmitido pela Panamericana TV, canal 5 de televisão de sinal aberto, declarou que a reportagem não revela localização das bases, armamento ou planos [de inteligência], mas sim uma suposta corrupção por parte de funcionários do Estado.

"Estamos tranquilos porque é absurdo, juridicamente [a denúncia] não deve continuar, mas iremos às intimações. Nós não vamos correr”, disse Cueva.​

O Instituto Imprensa e Sociedade (Ipys, da sigla em espanhol), a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), o Conselho da Imprensa Peruana, IDL-Repórteres, entre outras organizações em favor da liberdade de imprensa, argumentaram que a acusação pretende amedontrar e intimidar a Panorama para encobrir atos ilegais, escondendo-se por trás da figura do segredo de Estado.​

Além disso, o secretário-geral da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), Anthony Bellanger, disse que sua organização exige o "pleno respeito ao direito constitucional de reserva de fontes de informação", fazendo um chamado "à sensatez" ao titular de Defesa peruano.​

"Uma denúncia desta envergadura não faz nada mais que macular uma gestão de governo que poderia acabar levando jornalistas para a prisão pelo simpes fato de realizarem seu trabalho", disse Bellanger.

A jornalista e advogada peruana Rosa María Palacios disse em seu blog que o Ministério da Defesa estaria legalmente obrigado a realizar a denúncia porque a reportagem da Panorama revelou documentos classificados.

Se Valakivi e sua procuradoria não tivessem feito a reclamação, poderiam ter sido denunciados pelo Ministério Público por "omissão de denúncia", assegurou Palacios.

Além disso, o ministro do Interior, José Luis Pérez Guadalupe, afirmou que Valakivi tinha a obrigação funcional de denunciar.

"É uma questão puramente jurídica, legal, e logicamente o ministro Jakke Valakivi tem que pensar em defender o trabalho das Forças Armadas", declarou ao jornal La República.

No entanto, o ministro da Justiça e Direitos Humanos, Aldo Vásquez Rios, disse à La República que, neste caso, deve-se ter em mente os valores da liberdade de expressão. Para Vásquez Ríos, "os tribunais deverão se pronunciar sobre a pertinência ou não da denúncia."​

Roberto Pereira, do Ipys, disse ao Panorama que o que está em risco neste caso são as regras que regem todo o sistema democrático, comprometendo também o trabalho jornalístico e o direito à informação pública.

"O tribunal constitucional tem dito em várias sentenças, não há qualquer informação que esteja vinculada à defesa, com atividades militares, que se qualifique como um segredo de Estado, ainda que tenham o selo de ‘Segredo de Estado’. O ministro da Defesa foi incapaz de dizer o que mudou [com a publicação desta reportagem] em termos de segurança nacional, porque não há fundamento”, disse Pereira.

Kela León, do Conselho da Imprensa Peruana, em entrevista ao Panorama, disse que a redação da denúncia do Ministério da Defesa é inaceitável, sendo um perigoso retrocesso à cultura do segredo.

"A sustentação da denúncia não concorda nem com o estabelecido na Constituição, nem na legislação vigente em relação à divulgação de segredos de Estado ou de segurança nacional", disse.

O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP, Claudio Paolillo, disse ao Panorama que não há a menor dúvida de que esta reportagem seja de interesse público. “Me parece que isso se enquadra na cultura do segredismo, que é uma outra história, e que afeta a América Latina como um todo. Os governantes dos nossos países, infelizmente, acreditam que quando assumem o poder, não têm que prestar contas”.

A Federação de Jornalistas do Peru e a Fundação Ética Jornalística convocaram diversas entidades e o público em geral para marchar nesta quinta-feira, 7 de julho, em protesto à denúncia do governo contra os jornalistas da questionada reportagem do Panorama.

A marcha tem o objetivo de chegar à sede do Ministério Público.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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