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Jornalistas sofrem restrições do governo durante a cobertura de manifestação na Venezuela

As manifestações na capital da Venezuela, Caracas, que ocorreram em 1 de setembro, terminaram com denúncias de restrições à liberdade de imprensa e de expressão, que incluíram ataques e detenções temporárias de alguns trabalhadores de meios de comunicação, assim como a proibição da entrada no país de correspondentes internacionais.

A jornada, conhecida como a “Tomada de Caracas”, havia sido convocada pelos líderes da oposição com o objetivo de pressionar o Conselho Nacional Eleitoral a convocar um plebiscito revogatório contra o governo do presidente Nicolás Maduro. No entanto, os governistas convocaram manifestações em Caracas no mesmo dia para combater o que eles classificaram como uma “tentativa de golpe de Estado”.

Por volta das 20h, a ONG Espacio Público publicou em sua conta no Twitter que foram registradas ao menos 25 violações da liberdade de expressão somente durante a jornada - incluindo os dias anteriores à manifestação - com detenções, intimidações, agressões e censura.

Um dos casos foi da jornalista Gabriela González, do jornal El Nuevo País. Ela publicou em sua conta no Twitter que membros da Polícia Nacional a fizeram apagar um vídeo que havia gravado sobre a detenção de uma pessoa após a manifestação. Segundo seu relato ao Sindicato Nacional de Trabalhadores da Imprensa do país (SNTP), os policiais disseram que "não se grava a Polícia".

Ainda assim, a jornalista publicou uma fotografia dessa detenção que não foi apagada.

A Espacio Público informou sobre os casos da jornalista Emily Avendaño e o fotojornalista Héctor Trejo, ambos do meio de comunicação El Estímulo, que foram detidos temporariamente na manhã de 1 de setembro por membros da Polícia Nacional Bolivariana (PNB).

As anotações e fotos dos jornalistas foram analisadas, e os dois tiveram seus crachás retirados, afirmou a ONG.

Garantir que os jornalistas fariam o seu trabalho sem agressões e intimidações tinha se transformado em uma das maiores preocupações de organizações locais e internacionais como a Anistia Internacional e o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ da sigla em inglês). A preocupação aumentou com os ataques a meios de comunicação e jornalistas nos dias anteriores, com detenções de repórteres em atividades relacionadas à jornada, assim como a proibição da entrada no país de correspondentes internacionais que chegavam para cobrir o evento.

Em 31 de agosto, por exemplo, os correspondentes Marie-Eve Detoeuf, do jornal francês Le Monde, César Moreno, da Caracol Radio, Dora Glottman, de Caracol TV, ambos da Colombia, e John Otis, da NPR dos Estados Unidos, não foram autorizados a entrar na Venezuela, informou o CPJ. O motivo dado pelas autoridades foi que eles não contavam com os documentos exigidos para trabalhar na Venezuela, acrescentou o CPJ.

No dia 30 de agosto, a correspondente Teresa Bo e a produtora Lagmi Chávez, da rede de notícias Al-Jazeera, também foram impedidas de entrar no país. Ocorreu o mesmo com Jim Wyss, chefe do escritório andino do The Miami Herald, que foi enviado de volta em um avião ao Panamá mesmo com um visto de jornalista válido até o mês seguinte, afirmou o diário El Nuevo Herald. Em 2013, Wyss ficou detido por 48 horas pelas autoridades venezuelanas.

“Exortamos as autoridades venezuelanas a permitir que os jornalistas possam cobrir atos na Venezuela, no meio de uma profunda crise econômica e política”, afirmou Carlos Lauría, coordenador sênior do programa das Américas do CPJ, em um comunicado de 31 de agosto. “As autoridades devem dar o passe aos jornalistas para que a imprensa internacional possa informar em primeira mão sobre estes importantes acontecimentos”.

O Ministro do Poder Popular para a Comunicação e Informação, Luis Marcano, assegurou que não houve nenhuma deportação de jornalista internacional. Ele afirmou, no entanto, que, para realizar qualquer cobertura jornalística no país, é preciso seguir alguns trâmites, não cumpridos por esses meios, segundo o portal de La Radio del Sur.

“Infelizmente eles vêm ou pretendem entrar na Venezuela para cumprir tarefas, se somando aos planos violentos de alguns setores da direita, coisa que o nosso país, como nenhum outro país soberano no mundo, vai permitir, e essa é a situação real", acrescentou o funcionário, segundo o portal da emissora.

Além desses casos, outros incidentes ocorreram no interior do país contra meios de comunicação.

Em 30 de agosto, a sede do diário El Nacional, em Caracas, foi atacada com coquetéis molotov e excremento. Em 26 de agosto, no estado Táchira, as sedes do jornal La Nación e da Televisora Regional del Táchira (TRT) foram pichadas, ao que parece, por grupos governistas. As mensagens eram insultos contra o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, do partido opositor, que tinha estado nesses meios dando declarações, segundo informou o Instituto Imprensa e Sociedade (IPYS) da Venezuela.

A semana anterior na cidade de Caracas, a sede do meio digital Crónica Uno, iniciativa da ONG Espacio Público, foi roubada. Já em Trujillo, no noroeste do país, a sede do Diario de los Andes foi atingido com ao menos 30 disparos de bala.

Para o dia das manifestações, o SNTP pediu aos jornalistas que avisassem de qualquer anomalia durante a cobertura da jornada. O SNTP junto com a Espacio Público e o IPYS Venezuela acompanharam a jornada pelo Twitter com diferentes hashtags, como #1S e #TomaDeCaracas, para alertar sobre o que estava acontecendo. Essas hashtags foram utilizadas por usuários do Twitter na Venezuela e em outros países para acompanhar a manifestação de 1 de setembro.

Um dia antes, o SNTP também exigiu que o governo desse garantias para o trabalho dos jornalistas.

“É um fato reiterado que, em ocasiões anteriores, quando acontecem manifestações, os jornalistas são agredidos, ameaçados, roubados e sequestrados com a clara intenção de impedir que os atos noticiosos cheguem até a coletividade e sejam conhecidos por todos”, disse Marco Ruiz, secretário geral do SNTP, em um comunicado de 31 de agosto. “Essas ações são de responsabilidade da Força Armada Nacional (em mais de 60% dos casos) e da Polícia Nacional Bolivariana”.

O IPYS Venezuela chamou a atenção sobre o anúncio do presidente da Comissão Nacional de Telecomunicações do país (Conatel), William Castillo, que emitiu um comunicado em 31 de agosto recordando aos meios de comunicação a "proibição legal de difundir mensagens por rádio, televisão e meios eletrônicos que incitem a violência, o desconhecimento das autoridades, a alteração da ordem pública e a paz cidadã e que possam gerar pertubações na população".

No comunicado, Castillo garantiu que o sistema de rádio estava sendo monitorado e que não toleraria emissões como as de 11 de abril de 2002 que, em sua opinião, "constituíram uma cortina de comunicação para executar o Golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez".

Para IPYS Venezuela, esse comunicado, junto com outras declarações de Castillo, é uma “ameaça” aos meios de de comunicação e uma "punição" que restringe “a cobertura livre e ampla dos meios de comunicação sobre possíveis conflitos”.

O Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Edison Lanza, também alertou para restrições à liberdade de expressão e manifestação na jornada, segundo uma entrevista à agência EFE.

“Estamos acompanhando com enorme preocupação os acontecimentos. As preocupações são várias. Que os correspondentes não possam entrar é uma restrição porque o governo tenta impedir o escrutínio internacional”, disse Lanza à agência.

Em sua entrevista, o Relator Especial não se referiu somente à proibição da entrada de correspondentes internacionais, mas também a ataques vividos pelos meios de comunicação e jornalistas nos dias anteriores, assim como o controle das manifestações por parte do Exército.

Lanza recordou que, apenas uma semana atrás, ele e o Relator Especial da ONU publicaram uma declaração conjunta em que expressavam a sua preocupação com a piora na situação da liberdade de expressão na Venezuela.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog Jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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