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Liberdade de imprensa também é alvo virtual na Venezuela, onde ciberataques podem forçar sites independentes a saírem do ar

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  • 5 abril, 2017

Por Cat Cardenas

Esta matéria foi atualizada para explicar a natureza das acusações contra o vice-presidente venezuelano Tareck El Aissami.

Nos últimos dias de março de 2017, vários jornalistas foram atacados durante protestos contrários ao governo na Venezuela, mas os ataques à imprensa do país não foram apenas físicos. No início do mês, uma série de ciberataques forçaram vários sites venezuelanos independentes a saírem do ar.

Os sites de notícias El Pitazo, Caraota Digital, El Correo del Caroní foram alvos de ataques. Além disso, os sites de instituições sem fins lucrativos, como a organização de direitos humanos Provea, também foram atacados.

O diretor do El Pitazo, César Batiz, disse que uma série de dois ataques fez a publicação sair do ar por 17 horas no dia 9 de março. O primeiro ataque teve como objetivo tirar o site dos resultados da pesquisa do Google. O segundo, mais poderoso, foi um ataque DDoS, que tentou impedir o acesso ao site. Enquanto a página estava offline, a publicação continuou a reportar por meio das redes sociais.

Os ataques foram rastreados para endereços IP na China e no Iraque, mas Batiz disse que a equipe do El Pitazo não conseguiu confirmar a localização exata dos hackers. Uma vez que os ataques a vários websites precisariam de coordenação entre grupos de hackers, os jornalistas acreditam que a ordem tenha sido feita por indivíduos poderosos econômica e politicamente.

Para Batiz, é óbvio que, quem quer que sejam os hackers, eles tomaram o El Pitazo como alvo pela posição independente da publicação.

“Não tenho dúvida que foi um dos fatores” disse Batiz ao Centro Knight. “Acreditamos que não é nada mais que uma resposta ao trabalho que temos feito no El Pitazo de mostrar as coisas sobre as quais os outros se calam.”

Em um comunicado de imprensa, El Pitazo disse que sua equipe técnica localizou um ataque anterior em um prédio anexo à Plaza Venezuela, em Caracas. A Univision destacou que o Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) tem uma sede no local.

Em toda a Venezuela, jornalistas têm deixado meios de comunicação tradicionais pelas organizações independentes, como o El Pitazo e o Caraota Digital, enquanto o governo e as grandes empresas têm adquirido cada vez mais mídias impressas e influência editorial, disse Marianela Balbi, diretora executiva do Instituto de Imprensa e Sociedade da Venezuela (IPYS).

Até mesmo a única empresa de distribuição de papel de jornal, Corporación Maneiro, pertence ao governo.

"Eles distribuem o papel de jornal de maneira discrepante", disse Balbi ao Centro Knight. "Eles vão respondendo a quais jornais têm uma linha editorial pró-governo e quais são críticos. O que acontece é que muitos jornais têm que mudar sua linha editorial, a fim de sobreviver."

Balbi acredita que os recentes ciberataques são uma extensão dessa tática por parte de um governo hostil à mídia independente. É por isso que ela acredita que a divulgação destes ataques é tão importante. Para o povo da Venezuela, as publicações online são algumas das poucas vozes críticas ao governo e que expõe seus abusos.

“[Os ciberataques] são restrições ao fluxo de informação”, disse Balbi. “É uma outra forma de restringir o direito à livre informação e à liberdade de imprensa. Muitas pessoas na Venezuela têm se refugiado nos meios digitais devido à censura e à autocensura. Eles têm necessidade dessa informação, e os portais são o que eles procuram."

Se os ataques à imprensa independente vierem do governo de fato, Balbi afirma que seria apenas parte de uma tendência maior na Venezuela.

"Sabemos que, em todas as sociedades democráticas, o Estado deve garantir que os princípios [da imprensa livre] sejam respeitados e protegidos", disse Balbi. "Aqui, o que estamos vendo é que o governo que deve proteger esses princípios está ameaçando-os."

A jornalista Marjuli Matheus, do El Pitazo, disse que a maioria das publicações e organizações que foram vítimas de ciberataques têm criticado o governo. Em vez de mudar sua linha editorial, Matheus disse que eles planejam continuar a pressão, porque a postura independente é a base sobre a qual a organização foi construída.

“Damos voz às pessoas que não têm voz e dissemos o que os outros não dizem,” disse Matheus ao Centro Knight. “Pensamos que têm fatores políticos e gente poderosa que quer calar o trabalho que fazemos.”

Enquanto eles não podem ter certeza de que uma reportagem específica tenha desencadeado os ataques, Matheus disse que foram publicadas algumas matérias no passado que teriam irritado os funcionários do governo.

Apenas um mês antes dos ciberataques, o El Pitazo publicou uma série de reportagens focadas no vice-presidente venezuelano, Tareck el Aissami, e seu suposto intermediário, incluídos na lista Clinton por seus supostos laços com o narcotráfico.

"Não podemos traçar essas reportagens aos ataques, mas temos sido críticos do governo", disse Matheus. "Aqui na Venezuela, alguém que escreve criticamente sobre figuras públicas é vilipendiado, humilhado e atacado".

Matheus disse que poucos jornalistas fora da Venezuela estão cientes de quão severa a repressão e intimidação se tornou no país, e isso tornou difícil obter o apoio de colegas no exterior.

"A verdade é que eu acho que há ceticismo. Minha primeira impressão, durante minhas viagens, é que meus colegas não acreditam que a situação é tão grave como é", disse Matheus. "Eles não têm idéia do que está acontecendo conosco e pode ser difícil de explicar. Fora da Venezuela, não há consciência de como as pessoas estão vivendo, não apenas os jornalistas".

Há cerca de um ano, o Google lançou o Project Shield, para ajudar as redações a combaterem ataques DDos. A companhia e a Associação Interamericana de Imprensa (IAPA) têm promovido o uso da ferramenta em redações vulneráveis da América Latina.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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