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Otimismo persistente: A jornada de Emilia Díaz-Struck de Caracas até a direção-executiva da GIJN

Emilia Díaz-Struck saiu das salas de aula da Universidade Central da Venezuela para comandar em Washington uma das organizações mais importantes que apoiam, promovem e produzem jornalismo investigativo em todo o mundo. O trabalho de Díaz-Struck, nomeada nova diretora-executiva da Rede Global de Jornalismo Investigativo (GIJN), mostra que a colaboração e a construção de redes são a melhor resposta às situações difíceis que o jornalismo enfrentou e continua a enfrentar.

Os primeiros passos de Díaz-Struck no jornalismo foram no Hora Universitária, jornal da Universidade Central da Venezuela (UCV). De lá, ela saltou para o já descontinuado jornal vespertino El Mundo, em Caracas, onde foi pioneira no jornalismo assistido por computador, agora conhecido como jornalismo de dados.

Díaz-Struck começou a experimentar o uso do Excel e de bancos de dados no jornalismo venezuelano quando praticamente ninguém mais o fazia.

“Lembro que, já naquela época, eu buscava inspiração em jornalistas que faziam a diferença e faziam as coisas de maneira diferente… Eu era uma espécie de animal raro na redação, olhando para o Excel todos os dias”, disse Díaz-Struck à LatAm Journalism Review (LJR).

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Emilia Díaz-Struck durante as Reuniões Anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (2016). (Foto: Ryan Rayburn/FMI)

Naquela época, no final dos anos 2000, um processo de restrições havia começado a ser criado na Venezuela que limitava a possibilidade de compartilhar nos meios de comunicação opiniões diferentes das do governo do então presidente Hugo Chávez. Além disso, na época, o preço do petróleo venezuelano começou a cair, trazendo consigo uma dívida pública que afetou os cidadãos.

“Quando escolhi fazer jornalismo, já estávamos num contexto de muita desigualdade, muita corrupção, violação de direitos humanos, lavagem de dinheiro, um país muito polarizado. E, para mim, a resposta para todo aquele contexto era o jornalismo. O jornalismo como um trabalho a serviço da sociedade”, disse Díaz-Struck.

Algum tempo depois, ela recebeu uma oferta para liderar a área de pesquisa do Instituto de Imprensa e Sociedade da Venezuela (IPYS), organização não governamental que atua na promoção, defesa e capacitação da liberdade de expressão, do jornalismo investigativo e do direito à informação.

Lá, teve a chance de entrar em contato com jornalistas que faziam extensas investigações em toda a América Latina – jornalistas que, segundo Díaz-Struck, atuaram como mentores e foram uma fonte de ferramentas para seu trabalho. Entre eles, destacam-se Mónica González (Chile), Ricardo Uceda e Gustavo Gorriti (Peru), Giannina Segnini (Costa Rica), Marina Walker (Argentina), Carlos Eduardo Huertas e María Teresa Ronderos (Colômbia), Carlos Fernando Chamorro (Nicarágua) e Ewald Scharfenberg (Venezuela).

“Às vezes as pessoas pensam que entre os jornalistas ninguém vai ajudar um ao outro, que todos estão competindo, mas encontrei um mundo diferente nesse processo. Encontrei muitas pessoas que foram muito generosas e que se deram tempo e espaço para compartilhar experiências", disse a jornalista venezuelana.

Díaz-Struck também destaca eventos como a Conferência Latino-Americana de Jornalismo Investigativo, a Conferência Global de Jornalismo Investigativo e o Festival Gabo. Além do trabalho de organizações como o Centro Latino-Americano de Investigações Jornalísticas (CLIP), a Connectas, a Convoca, o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Essas organizações foram lugares de encontro e colaboração que lhe permitiram “aos poucos tecer uma rede e ver como em contextos onde parece que as coisas não são possíveis, na realidade elas são”.

Paralelamente ao seu trabalho jornalístico, Díaz-Struck deu aulas, por mais de sete anos, para alunos de Comunicação Social da UCV e ministrou oficinas de formação em investigação e dados para jornalistas de todo o país. 

“É importante pensar em como continuar treinando as próximas gerações e quem irá assumir o batente, quem vem a seguir, quem vai continuar fazendo o trabalho. É isso que vai permitir a sustentabilidade do jornalismo”.

Sua aptidão para o trabalho em equipe a fez colaborar desde Caracas com veículos como o Washington Post e a revista Poder y Negocios. Ela também foi cofundadora da redação de jornalismo investigativo Armando.info. Eventualmente, uma reportagem sobre o tráfico de coltan abriu caminho para integrar o Consórcio de Jornalistas Investigativos (ICIJ) onde começou como pesquisadora e passou pelos cargos de editora de pesquisa, coordenadora da América Latina e líder da equipe de dados.

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Equipe de dados do Consórcio de Jornalistas Investigativos (ICIJ) durante os Arquivos FinCEN. (Foto: ICIJ)

Díaz-Struck fez parte das grandes investigações transnacionais recentes que trouxeram visibilidade ao ICIJ: o Offshore leaks, o Panama Papers (Prêmio Pulitzer 2017), Implant Files, FinCEN Files e Pandora Papers

“Quando comecei no Consórcio, a equipe tinha 11 pessoas, hoje são 40. Então pude ver o crescimento da equipe para o uso da tecnologia”, disse ela. "E o que tenho buscado, quando cheguei a essas funções, é justamente retribuir o que recebi, naqueles primeiros anos, de tantos colegas”, completou.

Otimismo persistente

A GIJN é uma associação de mais de 240 organizações sem fins lucrativos dedicadas ao jornalismo investigativo em todo o mundo. Díaz-Struck se juntará à equipe como editora-geral em meados de agosto e se tornará CEO em setembro, durante a conferência bienal da rede a ser realizada em Gotemburgo, Suécia, de 19 a 22 de setembro.

A jornalista venezuelana assumirá a posição de David Kaplan, que fundou o GIJN e é seu diretor há mais de 10 anos.

“A função que vou assumir em breve tem a ver com a soma do que fiz todos esses anos. De um lado, a questão acadêmica. Por outro lado, a questão da inovação e dos dados. Também com reportagens investigativas e colaboração em rede. Tudo isso somado é o que a Rede Global de Jornalismo Investigativo faz”, disse Díaz-Struck.

A oportunidade representa para ela desafios interessantes, mas também complexos. “Há um desafio que tem a ver com a natureza das situações de liberdade de imprensa. Estamos vendo cada vez mais jornalistas fazendo pesquisas no exílio e em circunstâncias de ameaças pessoais e digitais”, disse Díaz-Struck. “Também temos esse desafio que tem a ver com o mundo da tecnologia, dos dados, do volume de informação que está circulando e ajudando na desinformação. Então é um panorama complexo e interessante ao mesmo tempo”.

Entre os principais objetivos de Díaz-Struck estão continuar a capacitar a comunidade global de jornalistas investigativos e gerar recursos para fortalecer as habilidades desses profissionais. Além disso, ela deseja que a rede continue a produzir histórias investigativas que ajudem e informem os cidadãos em todo o mundo, fortalecendo as democracias, controlando o poder e expondo situações que de outra forma permaneceriam escondidas.

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'É importante pensar em como continuar treinando as próximas gerações e quem irá assumir o batente, quem vem a seguir, quem vai continuar fazendo o trabalho. É isso que vai permitir a sustentabilidade do jornalismo', afirmou a nova diretora-executiva da GIJN

Apesar dos desafios do jornalismo, e especialmente do jornalismo investigativo, a visão de Díaz-Struck é otimista, com abertura para experimentar novas ideias e uma busca constante de descobrir quais são os caminhos possíveis. “É por isso que falo de otimismo persistente. Não podem me dizer que não, ou então eu aprendo como tornar algo possível”.

Nota: O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas faz parte da GIJN.

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