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Outro jornalista foge da Bolívia após denúncias de hostilidade contra a imprensa no país

Depois de dois funcionários do governo boliviano fazerem declarações contra Carlos Valverde, o jornalista decidiu deixar o país por considerar as declarações ameaças contra ele, disse Valverde ao jornal El Deber.​

Valverde chegou à Argentina, mas disse que não iria pedir asilo e que gostaria voltar ao seu país após a atmosfera tensa se "descomprimir". O repórter afirmou que iria continuar a publicar seus relatórios a partir da Argentina, acrescentou o El Deber.​

Recentemente, o ministro da Presidência, Juan Ramón Quintana, e a ministra da Comunicação, Marianela Paco, atacaram Valverde em declarações separadas e acusaram o jornalista de mentir em suas investigações que lidam com o presidente do país, Evo Morales, explicou Valverde ao diário digital Infobae.

Valverde foi o jornalista que relatou sobre a certidão de nascimento de um suposto filho do presidente Morales com a sua ex-parceira, Gabriela Zapata, de acordo com a BBC World. Este documento faz parte de um relatório de Valverde sobre suposto tráfico de influência para entregar contratos lucrativos a uma empresa chinesa para a qual Zapata era um gerente comercial.

De acordo com a BBC World, Valverde mostrou o documento a fim de apoiar as suas alegações de que o governo de Morales deu os contratos dada a relação familiar com Zapata.

No entanto, meses depois, Valverde disse que o suposto filho não existe, relatou a BBC World. Contudo, em declarações feitas à Infobae, ele afirmou a existência de uma certidão de nascimento supostamente assinada por Morales.​

Dias depois de saber da saída de Valverde do país, Morales publicou no Twitter: "aquele que se esconde ou escapa é um criminoso" e não uma vítima de perseguição política, de acordo com a mídia digital Opinión.

O caso Valverde ocorreu dias após o jornalista Wilson García Mérida, diretor do jornal Sol de Pandoter anunciado que tinha deixado o país devido a uma alegada queixa apresentada contra ele pelo ministro Quintana por crime de sedição, informou o jornal Página Siete.

García Mérida assegurou ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas via e-mail que nem ele nem seu advogado conseguiram ter acesso ao processo apresentado contra ele, que é a razão pela qual García Mérida não tem conhecimento dos detalhes, provas e acusações contra ele.

Ele disse que não sabe se a acusação contra ele está relacionada com alegações que ele tinha feito sobre os casos de alegada corrupção que possam envolver Quintana. No entanto, acrescentou que estes casos são tratados pelo Tribunal de Imprensa, um tribunal especial para os casos dos jornalistas, e não pelos tribunais comuns.

O jornalista assegurou ao Centro Knight que, como ele não tem informações detalhadas, decidiu que era o melhor deixar o país, tendo em conta que o crime de sedição implica "prisão imediata [tempo]" mesmo na fase inicial do processo.

Estes casos estão ocorrendo em uma atmosfera de hostilidade contra a imprensa liderada por autoridades do país, como é denunciado pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF por sua sigla em francês). A organização disse que isso inclui acusações, intimidação e ameaças de processos judiciais, entre outros atos.

Por exemplo, a RSF lembrou que em 19 de maio, Quintana disse que havia um "cartel de mentiras" no país formadas pelos jornais Erbol, El Deber e Página Siete, bem como pela agência de notícias Fides.

Segundo a organização, estas declarações foram feitas após os parlamentares terem perguntado sobre o alegado tráfico de influência em que Morales e a sua ex-parceira foram implicados. Para Quintana, esses meios de comunicação procuram desestabilizar o país através de escândalos de mídia.

Associação Nacional de Imprensa (ANP por sua sigla em espanhol) da Bolívia também rejeitou as declarações do ministro e aprovou o trabalho feito pelos meios de comunicação, exigindo respeito para com o trabalho jornalístico.

"Dizer que os meios de comunicação e jornalistas proeminentes e bem conhecidos estão organizados com o objetivo de desestabilizar [o governo] é um argumento que cai sob sua própria fragilidade devido ao prestígio ganho por jornalistas dignos e reconhecidos", disse a ANP.

A RSF disse também que os repórteres Amalia Pando, Raúl Peñaranda e Andrés Gómez "têm sido alvos de uma campanha de difamação e ataques verbais desde há vários meses." A RSF também registrou casos de ataques, restrições à cobertura de notícias em meses anteriores, bem como a intenção de rever a Lei de Imprensa.

"Este clima de hostilidade contra os meios de comunicação está a ter um impacto muito negativo sobre a liberdade de expressão e não pode continuar", disse Emmanuel Colombié, o director do departamento da América Latina da organização Repórteres Sem Fronteiras, de acordo com o comunicado. "Os insultos, processos ilegais e campanhas de difamação por altos funcionários contra jornalistas do seu próprio país são intoleráveis e estão incentivando um nível de auto-censura que é extremamente prejudicial para a liberdade de imprensa."

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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