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Programa global Report for the World amplia presença na América Latina para impulsionar investigações sobre meio ambiente e corrupção

Em 2021, a iniciativa Report for the World, que apoia veículos independentes na contratação de jornalistas para cobrir temas pouco explorados ​​pela imprensa, estreou com parcerias com redações do Brasil, da Nigéria e da Índia.

A presença no Brasil, onde apoiou a contratação de dois jornalistas para o site de jornalismo de dados com foco em questões socioambientais InfoAmazonia e mais dois para o jornal investigativo  Marco Zero, contribuiu significativamente para o crescimento e impacto da cobertura de temas relacionados à crise climática e à Amazônia.

O trabalho dos “corps members” (como são chamados no programa os jornalistas contratados por essa iniciativa) durante o primeiro ano do Report for the World no Brasil deixou uma visão muito completa do que está acontecendo no país em termos de crise ambiental, de acordo com a organização.

Jornalistas participantes da iniciativa Report for the World

Em seu primeiro ano, o Report for the World ajudou a recrutar jornalistas no Brasil, na Nigéria e na Índia. (Foto: reportfortheworld.org)

“Considerando que [o presidente] Jair Bolsonaro e seu governo abriram a Amazônia para indústrias extrativas prejudiciais ao meio ambiente, precisamos de informações mais aprofundadas sobre essas questões, o que nossos corps members vêm fazendo com tenacidade e acesso a nichos”, disse à LatAm Journalism Review (LJR) Preethi Nallu, diretora global do Report for the World.

Para ampliar ainda mais essa cobertura e o impacto nas questões ambientais, o Report for the World firmou alianças este ano com mais dois meios de comunicação independentes no Brasil: Agência Mural de Jornalismo Das Periferias e ((o))eco. E uma no Peru: Convoca. Além disso, renovou suas alianças com InfoAmazonia e Marco Zero para apoiar o trabalho de seus corps members por mais um ano.

Além disso, este ano a iniciativa ampliará sua presença na América Latina para apoiar a cobertura de outros temas relevantes da região, com alianças com a agência brasileira de jornalismo investigativo Agência Pública (para cobertura de questões de gênero), a organização mexicana de jornalismo independente Quinto Elemento Lab (corrupção) e o meio digital nativo mexicano Conexión Migrante (migração). No total, o Report for the World apoiará a contratação de pelo menos 10 jornalistas latino-americanos no período 2022-2023.

"Isso nos dará uma compreensão única do impacto de investir em jornalistas que cobrem consistentemente essas questões críticas ao longo de três anos", disse Nallu.

Report for the World é uma iniciativa da organização sem fins lucrativos The GroundTruth Project, com sede em Boston, dedicada a reconstruir o jornalismo a partir do zero por meio de iniciativas para apoiar novas gerações de jornalistas em todo o mundo.

Graças ao financiamento da MacArthur Foundation, da Google News Initiative e da Microsoft, o Report for the World cobre 50% dos salários dos corps members durante os primeiros dois anos de trabalho, enquanto os veículos parceiros que os contratam cobrem o restante. No terceiro ano, a iniciativa cobre 33,3% dos salários.

A organização oferece assessoria às redações aliadas sobre estratégias para arrecadar fundos para cobrir sua parte dos salários dos corps members, com a ideia de que estes eventualmente se tornem membros permanentes de suas equipes. Além disso, os jornalistas contratados recebem treinamento em diferentes aspectos da profissão.

“Apoiamos os corps members por meio de treinamento técnico, como visualização de dados, aconselhamento especializado sobre estresse e trauma relacionados ao trabalho e oportunidades para aprofundar os relatórios”, explicou Nallu.

Promoção do jornalismo ambiental no Brasil

Os últimos quatro anos não foram fáceis para o jornalismo ambiental no Brasil. O discurso negacionista e anticientífico propagado pelo governo do presidente Bolsonaro, bem como suas  devastadoras políticas ambientais e o dramático aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia nos últimos anos somam-se à crescente insegurança sofrida pelos jornalistas que cobrem essa região do planeta.

Apenas neste ano, o assassinato do correspondente britânico Dom Phillips e do ativista brasileiro Bruno Pereira chamou a atenção internacional para o perigo na Amazônia. Mas eles não foram os únicos. Os homicídios na região onde Phillips e Pereira foram mortos aumentaram mais de 500% em três anos, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas.

Captura de tela de uma reportagem da InfoAmazonia.

Uma reportagem feita pelo jornalista contratado pela InfoAmazonia como parte do Report for the World repercutiu na Justiça brasileira. (Foto: captura de tela da InfoAmazonia)

“Estamos exaustos de tanto falar de desgraças e mudanças que vão prejudicar a diretriz ambiental, e já são quatro anos disso com esse governo”, disse à LJR Marcio Isensee e Sá, diretor de conteúdo do ((o))eco. “Não é que não houvesse problemas antes ou que não haverá problemas se tivermos um novo governo, mas agora é muito perigoso, muito mais perigoso. [...] Aqui eles matam ambientalistas, indígenas e jornalistas que estão fazendo seu trabalho na Amazônia, mais de 50 por ano, então é muito louco pensar nisso.”

O ((o))eco, um dos novos aliados do Report for the World para o próximo ano, é um veículo sem fins lucrativos sediado no Rio de Janeiro dedicado a cobrir temas relacionados à conservação da natureza, à biodiversidade e à política ambiental no Brasil.

Com o apoio do Report for the World, eles planejam fortalecer sua cobertura de ciência e divulgação sobre biodiversidade. Devido à natureza dessas questões, o veículo procura um jornalista que possa fazer viagens de campo para acompanhar cientistas e pesquisadores nas áreas de pesquisa. Além disso, os meios de comunicação antecipam que, com este apoio, poderão também ampliar a sua cobertura a formatos como o vídeo e o podcast.

“Acho muito importante que tenhamos um maior desenvolvimento do jornalismo aqui, neste contexto pelo menos no Brasil — de muitos ataques ao jornalismo. Ter esse apoio dessas organizações é cada vez mais importante”, disse Isensee e Sá. “Toda vez que vejo organizações como o Report for the World fazendo projetos e olhando para a América Latina, acho que estamos ficando mais fortes e tendo mais segurança para fazer nosso trabalho.”

Os trabalhos jornalísticos dos primeiros corps members do Brasil têm alcançado impactos significativos nas agendas do país em termos de meio ambiente. Por exemplo, após a publicação da reportagem “Mineradora é acusada de coagir indígenas a explorar potássio na Amazônia”, do repórter contratado pelo InfoAmazonia Fábio Bispo, a Justiça brasileira ordenou que uma mineradora devolvesse terras aos indígenas.

Da mesma forma, a investigação “Do garimpo aos peixes: o caminho do mercúrio até contaminar os Munduruku”, da também corps member Julia Dolce, documentou que existem níveis perigosos de contaminação por mercúrio entre os habitantes do município de Santarém.

“O Report for the World permitiu que a InfoAmazonia tivesse uma equipe permanente constantemente focada em questões socioambientais e políticas ambientais, o que levou a publicações mais frequentes e aumentou nosso alcance e presença no debate público sobre questões relacionadas à Amazônia”, afirma Juliana Mori , cofundadora e diretora editorial do veículo.

Por sua vez, o Marco Zero conseguiu ampliar sua capacidade de produção de conteúdo multimídia e fortalecer sua cobertura de questões ambientais e territórios indígenas. Por exemplo, com base no programa, os corps members Giovanna Carneiro (repórter) e Arnaldo Sete (fotógrafo) fizeram uma viagem de campo para investigar o impacto socioambiental dos parques eólicos em comunidades do nordeste brasileiro.

"Muitas vezes, esse financiamento é uma tábua de salvação para a mídia independente continuar certas coberturas temáticas", disse Nallu. “O fato de [os corps members do Brasil] continuarem pelo segundo ano nos dá uma avaliação qualitativa de que essas histórias estão atingindo diversos públicos. [...] Obviamente as redações estão vendo que eles são um investimento que vale a pena”.

Para o Report for the World, o Brasil tem sido um caso de sucesso na construção de uma primeira geração forte e diversificada de corps members que conseguiu fornecer uma compreensão clara da situação da crise climática no país.

A adição do Convoca como um meio aliado este ano permitirá que a cobertura seja estendida para a região amazônica do Peru. De acordo com Nallu, o programa pretende, no futuro, recrutar redações nas áreas amazônicas de Colômbia, Bolívia, Equador e Venezuela para aprofundar a representação regional da Amazônia e levar a iniciativa a um nível de trabalho colaborativo e transfronteiriço.

Além disso, o Report for the World buscará conectar corps members da América Latina com seus colegas de outros países onde o programa está presente (Nigéria, Índia, Zimbábue e Ucrânia) para colaborar e compartilhar conhecimento sobre a cobertura de questões ambientais.

“Gostaria de começar a avaliar o impacto de ter grandes grupos de jornalistas cobrindo questões específicas como mudanças climáticas em diferentes partes do mundo e reuni-los por meio de nosso programa”, disse Nallu. "Quando promovemos a cobertura comunitária dessas questões globais, impulsionamos um maior envolvimento do público e fortalecemos o envolvimento cívico."

Mapa mostrando os países onde a Report for the World opera

Para o período 2022-2023, a iniciativa será estendida ao México, Peru, Hungria, Zimbábue e Ucrânia. (Foto: reportfortheworld.org)

Novos países, mais temas de cobertura

Com a insegurança que a imprensa vive no México, é importante desenvolver uma nova geração de jornalistas que estejam preparados para enfrentar os riscos envolvidos na investigação de questões tão críticas e relevantes nesse país, como corrupção e migração.

Foi assim que os diretores do Report for the World pensaram quando tomaram a iniciativa de ir ao México este ano. Quinto Elemento Lab e Conexión Migrante são os primeiros veículos parceiros do programa naquele país, que já lançaram chamadas para encontrar os primeiros corps members mexicanos.

“O México será um país estratégico para o Report for the World. Em primeiro lugar, por sua vibrante cena de veículos independentes e grandes exemplos de jornalismo independente. Ao mesmo tempo, é o país mais perigoso do mundo para os jornalistas”, disse Nallu. “Esperamos investir em mais corps members, com amplo treinamento e recursos de segurança. Morando no México, vejo a imensa necessidade de apoiar o jornalismo investigativo aqui.”

O jornalista contratado pela Conexión Migrante cobrirá questões migratórias de Tijuana, na fronteira com os Estados Unidos, enquanto o Quinto Elemento Lab realizará investigações da Cidade do México relacionadas à corrupção nas esferas pública e privada.

O Quinto Elemento Lab, que tem participado de investigações colaborativas transfronteiriças como os Pandora Papers e o caso Lava Jato, buscará aproveitar esta oportunidade para expandir consistentemente sua redação, que atualmente conta com oito membros permanentes, e assim poder cobrir mais temas de investigação.

“Estamos procurando um repórter para nos ajudar a cobrir questões políticas, sociais, de direitos humanos, corrupção, abuso de poder, que acreditamos serem as questões mais cruciais para o México hoje”, disse à LJR Armando Talamantes, vice-diretor do veículo.

Tanto o Quinto Elemento Lab quanto o Conexión Migrante dependem fortemente de financiamento por meio de subvenções, doações e crowdfunding, portanto, iniciativas como o Report for the World contribuirão significativamente para seu crescimento e consolidação.

“A maioria [dos veículos independentes no México] não encontrou modelos de negócios que os tornem muito rentáveis, seja por meio de assinaturas, doações ou publicidade”, explicou Talamantes. “Todos nós temos esse tipo de batalha que estamos travando, então é muito importante e reconfortante que existam organizações que estão ajudando na contratação de jornalistas. Isso é básico para ter gente no campo, na rua, onde as coisas acontecem”.

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