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Projeto de checagem ‘O Poder de Eleger’ foca no WhatsApp para combater desinformação nas eleições no Brasil

O WhatsApp tem 120 milhões de usuários ativos no Brasil, segundo divulgou a empresa em julho deste ano. Este número equivale a mais da metade da população brasileira, estimada em 208,5 milhões de pessoas. Nesta temporada eleitoral no país, cujo primeiro turno aconteceu no dia 7 de outubro, com segundo turno marcado para o dia 28, o aplicativo de mensagens se tornou o principal espaço de informação para os usuários e de campanha eleitoral - e também, lamentavelmente, de compartilhamento de boatos e mentiras voltadas a favorecer ou prejudicar determinados candidatos.

Depois de surgir na Colômbia em maio e passar pelo México, o projeto de checagem O Poder de Eleger estreou no Brasil em agosto mirando justamente o WhatsApp como fonte do problema e possível solução para a desinformação generalizada durante as eleições. A iniciativa é parte da rede internacional Chicas Poderosas, que busca fomentar a presença de mulheres na liderança de mídias digitais.

Exemplo de checagem enviada pelo WhatsApp pelo projeto O Poder de Eleger.

A equipe do projeto é formada por cinco jornalistas e uma designer no Brasil e uma jornalista e duas designers na Colômbia. Elas recebem de usuários pelo número +55 21 981405658 no WhatsApp sugestões e pedidos de checagens relacionados às eleições. O time faz a checagem e a publica em formatos pensados especificamente para o aplicativo de mensagens, como GIFs, vídeos curtos e imagens, acompanhados também de um texto que explica o contexto e traz links para mais informações.

A jornalista Luiza Bandeira, uma das checadoras e editoras d’O Poder de Eleger, disse ao Centro Knight que elas têm alguns critérios para decidir quais conteúdos checar. "Vemos se mais de uma pessoa nos enviou aquela corrente; se há informação pública e confiável para verificá-la, porque não queremos ficar por conta de 'alguém disse isso', então buscamos fazer uma checagem independente; e vemos também a circulação em outras redes sociais para tentar medir o alcance daquela mensagem. Não queremos ajudar a espalhar algo que tenha um alcance muito pequeno.”

Decidido o conteúdo a ser verificado, uma das pessoas da equipe faz a checagem e o roteiro do GIF ou do vídeo, que ao serem aprovados por quem está na edição são repassados para a equipe de design, que monta a peça em questão e a devolve para as jornalistas para a avaliação. A checagem é então enviada por WhatsApp para todas as cerca de 400 pessoas que se cadastraram até o momento para receber conteúdo da iniciativa.

A equipe recebe entre 10 e 12 pedidos de checagem por dia, mas tem enviado cerca de três por semana, devido ao tempo do processo de checagem e produção das peças e para evitar inundar os usuários de conteúdo. Além do WhatsApp, as checagens também são disponibilizadas no site das Chicas Poderosas e nos perfis da iniciativa no Facebook, no Twitter e no Instagram.

Além dos pedidos de checagem de informações repassadas por contatos no WhatsApp, muitos usuários enviaram dúvidas sobre o próprio processo de votação. “Foi algo que nos surpreendeu”, disse Bandeira. “Fizemos peças sobre dúvidas eleitorais, porque as pessoas mandavam perguntas como ‘qual é a ordem de votação?’ ou ‘o que acontece se eu votar branco ou nulo?’. Então também sentimos a falta de um canal de comunicação direto com as pessoas via WhatsApp por meio do qual elas possam falar com alguém e fazer perguntas, e isso pode ser pensado para o futuro.”

No último domingo, dia do primeiro turno das eleições, a equipe ficou de prontidão para realizar checagens “express”, como disse Bandeira, que em vez de GIF ou vídeo se concentraram em imagem e texto com links clicáveis. Uma exceção foi o vídeo que se tornou o boato que mais se disseminou no dia da votação e que sugeria que a urna eletrônica estava completando automaticamente o número 13, do candidato à Presidência Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT). Na checagem, elas inseriram no vídeo gráficos do projeto reportando que um tribunal eleitoral havia dito se tratar de uma manipulação.

“Nos preocupamos muito em não replicar material falso, então colocamos bem grande o ‘falso’ ali e deixamos claro que checamos”, explicou a jornalista. “Nossa ideia não é competir com as agências de fact-checking, que estão fazendo a checagem rápida do que está circulando. Quando vemos que mesmo depois de elas fazerem a checagem as pessoas continuam nos mandando aquela corrente, fazemos nossa checagem, dando outro formato para aquilo e usando outro canal de distribuição.”

O projeto O Poder de Eleger também fez peças para sanar dúvidas dos usuários sobre as eleições.

Elas também buscam incluir os usuários nas checagens solicitadas por eles, o que, segundo Bandeira, fomenta o engajamento e a disseminação do conteúdo. “Percebemos que as pessoas gostam que você fale com elas. Tentamos reproduzir a mensagem que a pessoa enviou, sem colocar o nome dela. A gente acha que isso funciona em termos de engajamento: a pessoa vê que estamos respondendo a mensagem dela. E como queremos que ela espalhe esse conteúdo, é importante.”

Muitos usuários respondem às checagens ou mandam mensagens para a equipe, disse a editora d’O Poder de Eleger. Até o momento, só houve comentários neutros ou positivos. “As pessoas exigem resposta: ‘mandei isso e vocês ainda não checaram’. Isso é legal, porque há uma participação e uma demanda ativa das pessoas para que o conteúdo delas seja checado.”

O dia do primeiro turno de votação foi o mais intenso e elas receberam mensagens como “nossa, imagino que tem muita coisa para vocês fazerem aí hoje, mas que legal o trabalho de vocês, força”, contou Bandeira. “Tem uma coisa de um contato mais pessoal mesmo. Não respondemos tudo o que recebemos, mas tentamos responder a maior parte. Então, como o usuário se sente mais valorizado, ele realmente aprecia o trabalho e fala isso.”

Por se tratar de um projeto pioneiro no Brasil e que trabalha com o WhatsApp, uma ferramenta que está começando a ser utilizada por jornalistas, há muito a aprender, disse Bandeira. “É tudo muito novo, e uma coisa que achamos muito legal no projeto é que aprendemos sempre com o que vem. A cada checagem que fazemos, temos um aprendizado muito grande e acho legal compartilhar isso com quem queira trabalhar com o WhatsApp.”

A equipe brasileira conta com a expertise das colombianas que desenvolveram o projeto El Poder de Elegir, que atuou durante as últimas eleições presidenciais no país. A partir da experiência na Colômbia, “fomos vendo o quanto era preciso adaptar para a realidade do Brasil, o que funciona e o que não funciona em cada país”, disse a jornalista d’O Poder de Eleger. Uma das diferenças, exemplificou ela, é o tipo de corrente enviado com mais frequência às checadoras. “Recebemos correntes com muitas informações e muitos links em que as pessoas misturam fontes tradicionais com fontes que não têm credibilidade e que são hiperpartidárias. Isso não tinha acontecido lá.”

Um dos principais entraves do trabalho jornalístico com o WhatsApp é a falta de métricas: como se trata de um aplicativo de mensagens criptografadas, não é possível medir o alcance das checagens enviadas pela equipe d’O Poder de Eleger. Mas por compartilhamentos nas redes sociais elas conseguiram identificar que a checagem que fizeram que teve mais impacto até o momento é a confirmação de que o candidato presidencial Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), é um dos coautores de um projeto de lei que pretende mudar o atendimento a vítimas de violência sexual no sistema público de saúde.

“Vamos fazer uma pesquisa depois [do encerramento do projeto], até para colaborar nesse debate sobre o papel do WhatsApp na disseminação de informação, mas estimamos que o alcance seja maior do que esse [das pessoas na lista de distribuição]”, disse Bandeira. O cálculo da jornalista é que o alcance de conteúdo informativo no WhatsApp é exponencial: “se cada pessoa compartilha com duas, são 800; se essas compartilharem com duas, 1.600 e assim por diante. E duas é um cálculo conservador, considerando os grupos de que as pessoas fazem parte.”

O projeto deve permanecer ativo até a semana seguinte ao segundo turno, que será realizado dia 28 de outubro.

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