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Projetos de lei no Congresso brasileiro propõem classificar violência contra jornalistas como crime hediondo

No Brasil, um dos dez países com maior índice de impunidade em crimes contra jornalistas em todo o mundo, três projetos de lei em tramitação no Congresso propõem endurecer o tratamento penal de autores de violência contra jornalistas e profissionais de imprensa.

O mais recente deles é o projeto de lei (PL) 1.838/2019, apresentado na Câmara dos Deputados no dia 28 de março pelo deputado federal Roberto Pessoa, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) do Estado do Ceará.

O PL pretende alterar a Lei dos Crimes Hediondos (lei 8.072/1990) para classificar “como hediondo o crime cometido contra a vida, a segurança e a integridade física do jornalista e profissional de imprensa no exercício da sua atividade”.

Parlamentares no Congresso Nacional (Foto: PMDB Nacional / Flickr)

Entre os tipos de crimes classificados como hediondos no Brasil estão homicídio, latrocínio, estupro e feminicídio. A lei determina penas mais duras para quem pratica esse tipo de crime, além de vedar a possibilidade de anistia, graça, indulto ou fiança.

O deputado Pessoa batizou sua iniciativa de “Lei Tim Lopes”, em homenagem ao repórter da TV Globo que foi assassinado no Rio de Janeiro em 2002 enquanto realizava uma reportagem investigativa na favela de Vila Cruzeiro.

O Estado de origem do deputado tem se destacado como um dos mais violentos para jornalistas no Brasil nos últimos anos. Relatório da Artigo 19 sobre violações contra comunicadores em 2017 apontou que o Ceará teve o maior número de violações graves registradas no país naquele ano (sete), incluindo os dois assassinatos de comunicadores em razão de sua profissão registrados pela Artigo 19.

O deputado Pessoa disse ao Centro Knight que seu Estado é um exemplo de como os jornalistas estão “totalmente descobertos” e vulneráveis à violência no país. Ele considera que a imprensa “é um pilar mestre da democracia” e que sua proposta é “mais uma salvaguarda da vida dos jornalistas”.

“O PL protege, pois quem quiser matar vai saber que é um crime hediondo, com uma penalidade maior. É um projeto em defesa da democracia”, afirmou.

Pessoa disse que vai conversar com a liderança de seu partido para pedir apoio da sigla e dos demais parlamentares do PSDB ao projeto. Também disse que vai se encontrar pessoalmente com o presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Rodrigo Maia (PMDB/RJ), para pedir que o PL seja colocado em pauta para apreciação e votação na casa legislativa.

Em 21 de fevereiro, PL similar foi apresentado por Júnior Bozzella, deputado federal pelo Estado de São Paulo e pelo Partido Social Liberal (PSL) - o mesmo do presidente do país, Jair Bolsonaro, notório pela retórica hostil à imprensa e a jornalistas que fazem cobertura crítica a suas ações.

O PL 1.052/2019 propõe “classificar como hediondo o crime cometido contra a vida, a segurança e a integridade física dos profissionais de imprensa na função de radialista e jornalista no exercício de sua função”.

A proposta foi apensada ao PL 7107/2014, do deputado federal Domingos Sávio, do PSDB de Minas Gerais, que versa sobre o mesmo tema e que se encontra na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara, aguardando designação de relator.

No Senado, se encontra em tramitação um projeto do senador Acir Gurgacz (PDT/RO) com a mesma proposta. O projeto de lei do Senado (PLS) 329/2016 também propõe “inserir no rol dos crimes hediondos o homicídio praticado contra jornalista, em razão de sua profissão” e aguarda designação de relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da casa legislativa.

Prevenção, mais do que punição

Os PLs dos deputados Roberto Pessoa e Júnior Bozzella apresentam em suas justificativas dados de 2018 do Índice de Impunidade Global do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), que coloca o Brasil no décimo lugar no ranking mundial de impunidade em crimes contra jornalistas e terceiro na América Latina, atrás de México (7o lugar) e Colômbia (8o). Segundo o CPJ, até o fim do ano passado o Brasil tinha 17 casos impunes de assassinatos de jornalistas.

Para Emmanuel Colombié, diretor regional na América Latina da Repórteres Sem Fronteiras, as propostas de tornar crime hediondo a violência contra jornalistas são “interessantes”, mas se tratam de iniciativas isoladas que não resolvem o problema.

“É importante ter claro que a segurança dos comunicadores e, em última instância, o exercício da liberdade de expressão, não vão ser garantidos apenas punindo os envolvidos em crimes. É muito importante uma estratégia que privilegie mais prevenção do que punição. As duas coisas devem andar juntas. O problema da impunidade tem que ser visto em um panorama mais integral. Falta no Brasil uma verdadeira política de prevenção de riscos”, disse Colombié ao Centro Knight.

O diretor regional da RSF enumerou várias medidas prioritárias que devem ser tomadas pelas autoridades brasileiras para fortalecer a segurança de comunicadores e garantir a persecução penal e a punição de quem atenta contra eles.

Entre elas estão a capacitação de investigadores para trabalhar em casos de violência contra comunicadores e o desenvolvimento de protocolos específicos de investigação desses crimes; maior integração entre comunicadores e organizações de mídia e organizações da sociedade civil para entender e se preparar para os riscos de cobrir determinados temas em determinadas regiões; articulação entre autoridades locais e o governo federal; e maior transparência das autoridades nas investigações e nos desdobramentos dos casos.

Colombié também lembrou que, no Brasil, os comunicadores mais vulneráveis à violência são radialistas que trabalham em cidades pequenas, longe dos grandes centros, e que investigam corrupção local, e que esse contexto também é um obstáculo à solução dos crimes e à responsabilização dos culpados. “É importante que haja compromisso e empenho de verdade das autoridades locais para que a investigação seja feita de maneira completa e profissional, e para isso acontecer, não pode ter corrupção [em nível local]. E isso é um problema”, afirmou.

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