texas-moody

Publicações salvadorenhas El Faro e Revista Factum são ameaçadas após denunciar suposto esquadrão da morte na polícia

Desde a publicação de uma reportagem da Revista Factum sobre a suposta existência de um esquadrão da morte dentro da polícia salvadorenha, a equipe foi vítima de ameaças de morte e de campanhas de difamação. Eles também receberam ataques contra o servidor web. O site de notícias independente El Faro, que também reportou sobre supostas execuções extrajudiciais pela polícia, também recebeu ameaças recentemente.

"A pessoa que administra o servidor nos disse que toda madrugada há 150 mil tentativas, por meio de bots, de entrar no site e derrubá-lo. Tudo isso implica a violação de outro direito, o direito ao livre exercício do jornalismo. Os recursos que estamos usando para produzir jornalismo estão sendo usados para tentar nos proteger", disse Héctor Silva, codiretor e fundador da Revista Fato, ao Centro Knight.

A reportagem "Por dentro do esquadrão da morte da Polícia", publicada em 22 de agosto pela Revista Factum, revelou que quatro agentes das Forças Especiais de Reação de El Salvador (FES), uma unidade especializada da Polícia Nacional Civil (PNC), supostamente assassinaram membros de gangues simulando um confronto.

Os quatro policiais denunciados no artigo foram detidos por 72 horas e estão sendo processados ​​administrativamente, não criminalmente, pela polícia, de acordo com o diretor da PNC, Howard Cotto. De acordo com a Revista Factum, esses policiais fazem parte de um grupo de extermínio responsável por assassinatos, violência sexual contra menores e extorsão. Atualmente, eles estão em liberdade, trabalhando e fazendo “trabalho de escritório”, segundo Silva.

Silva disse ao Centro Knight que o tema dos grupos de extermínio dentro da polícia é uma questão muito séria. "Nós – um meio de sete pessoas, com recursos escassos e medidas de segurança muito precárias – conseguimos determinar que há extermínios de uma célula de um grupo de elite. Isso apenas termina de abrir a janela do que El Faro e La Prensa Gráfica já haviam dito sobre homicídios atribuídos à polícia em El Salvador", disse Silva.

A Revista Factum também revelou como dezenas de membros da PNC, por meio de conversas no Whatsapp, supostamente compartilham informações sobre vendas ilegais de armas, coordenam execuções de membros de gangues, compartilham pornografia e discutem outras ações dos mercenários cometidas dentro da agência policial. De acordo com a revista, a investigação para a reportagem foi feita durante três meses, com monitoramento de uma conversa no WhatsApp, graças a um colaborador ativo da FES que participou de diversos crimes.

Tudo isso ocorre dentro de um cenário em que a classe política, começando com o partido do governo, negociou muitas coisas com as gangues, explicou Silva. "Então, com uma mão, eles estão dando um cinturão político negociando com eles e, por outro lado, estão vendendo essa política de mão de ferro, repressão, ataque frontal, de guerra aberta", disse ele.

Em 23 de agosto, um dia após a publicação da reportagem, Cotto disse em uma entrevista televisiva que "foram aplicadas medidas preventivas após a publicação deste artigo (...) nossa obrigação é implementar imediatamente, de acordo com a Lei de Disciplina, uma medida preventiva que implicou inclusive uma detenção preventiva". Ele também disse que eles informaram a Procuradoria Geral da República sobre essas medidas.

No entanto, a Factum informou que a unidade da Procuradoria especializada em combater o crime organizado não havia avançado no caso. Houve inclusive uma chamada de atenção da promotora designada para o caso contra o colaborador que delatou os crimes de seus ex-companheiros e informou os jornalistas, de acordo com a Factum.

Silva disse que, no dia 28 de agosto, o procurador-geral afirmou que "estão investigando o caso, mas eles têm os mesmos depoimentos que nós (Factum) tivemos por três meses e não fizeram nada. Não há nenhuma decisão para investigá-los". Ele acrescentou: "se você adicionar que muitas das ameaças recebidas por jornalistas que investigam essas questões são provenientes de contas de redes sociais manipuladas pela polícia, então você começa a entender que existe um problema sistêmico de tolerância aqui".

El Faro informou que a Procuradoria para a Defesa dos Direitos Humanos ordenou medidas cautelares para proteger os jornalistas da Factum. El Faro também denunciou que nem o Executivo nem qualquer autoridade de Segurança Pública tomou posição oficial ou se comunicou com os jornalistas a esse respeito. Óscar Ortiz, vice-presidente da república, disse publicamente em 28 de agosto, em sua única menção ao assunto, que "temos que bater na madeira para que não aconteça alguma coisa com um jornalista", informou La Prensa Gráfica.

Após a resolução de medidas cautelares emitida pela Procuradoria de Direitos Humanos, os jornalistas da Factum se reuniram com o Comissário Mauricio Arriaza Chicas, vice-diretor das áreas policiais especializadas, responsável pela FES - a unidade de elite em que estaria o suposto esquadrão da morte.

"Arriaza nos ofereceu segurança através de elementos da polícia, nos ofereceu guarda-costas. Nós negamos porque não confiamos na polícia. Especialmente porque 36 horas depois que o artigo foi publicado, pessoas da polícia chegaram aos nossos escritórios, alguns sem identificação, outros se identificando, e tentaram entrar, também nas instalações de El Faro, que ficam ao lado”.

Na sequência da reportagem sobre o esquadrão da morte da polícia publicado pela Factum, quatro pessoas sem identificação oficial visível chegaram em um micro-ônibus azul à porta da redação da revista e disseram ser da Procuradoria para a Defesa dos Direitos Humanos, informou El Faro. Elas perguntaram sobre os horários de entrada e saída dos jornalistas. Consultada pela Factum, a Procuradoria negou ter enviado algum representante ao local.

Dois dias depois, El Faro também informou que vários homens dentro de um carro sedan verde apareceram em sua redação identificando-se como fontes jornalísticas da Polícia. Pouco depois, outra pessoa se apresentou e tentou entrar.

Em 2015, El Faro havia reportado sobre os supostos abusos da PNC durante uma detenção em massa de jovens com menos de 30 anos, que foram levados como suspeitos de serem membros de gangues e brutalmente espancados e torturados. O site também reportou sobre execuções extrajudiciais supostamente realizadas pela polícia naquele ano de oito pessoas de uma chácara chamada San Blas, a quem a polícia havia classificado como membros de uma "estrutura criminal". El Faro esclareceu em sua reportagem, mediante consultas com especialistas baseados em análises forenses e nas evidências, que essas pessoas foram assassinadas frontalmente, sem que tenha havido troca de tiros, conforme relatado pela Polícia.

Em consequência dessa reportagem, os jornalistas e um acionista de El Faro foram alvos de ameaças, perseguições e atos de intimidação, que foram denunciados perante o Ministério Público e a Polícia. Até o momento, esses atos ainda não foram esclarecidos pelas autoridades, informou o site.

Durante duas semanas, jornalistas da Factum foram forçados, por sua própria segurança, a trabalhar em cafés e não no escritório. Com a ajuda de organizações amigas, eles também conseguiram mandar para fora do país temporariamente dois dos jornalistas que trabalharam diretamente nas reportagens das supostas execuções extrajudiciais. "Estamos buscando como melhorar a segurança das nossas instalações, tentando levantar fundos para isso. (...) Também tomamos a decisão de limitar nossa mobilidade", afirmou Silva.

Desde a publicação da reportagem da Factum sobre o grupo de execuções extrajudiciais da polícia, vários perfis no Twitter e no Facebook começaram a lançar ameaças graves contra as duas publicações.

De acordo com a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), a conta do Twitter "Defensores Azuis", supostamente proveniente de um grupo dentro da Polícia, publicou o tweet: "Eu tenho que vê-los como Christian Poveda @RevistaFactum @ElFaro mortos nas mãos dos seus protegidos". Poveda foi um documentarista franco-espanhol que foi assassinado pelo grupo criminoso Mara 18 em 2009 em El Salvador depois de filmar um documentário sobre violência entre gangues com o consentimento de seus membros.

Em um editorial publicado em 28 de agosto por El Faro, “Culpar o mensageiro”, o site lamentou que a sociedade civil e o governo respondam a queixas sobre violações de direitos humanos dentro da polícia, feitas por eles e outros meios como a Factum, acusando-os de estar em campanha contra o Executivo, as forças de segurança e a sociedade em geral.

"Em um grave exercício de cinismo e irresponsabilidade, os jornalistas de El Faro e de outros meios de comunicação foram acusados ​​repetidamente de exagerar, de mentir, de responder às agendas partidárias, de pertencer a supostos eixos empresariais hiper ideologizados, de proteger criminosos ou mesmo de estarem aliados com gangues para desacreditar a Polícia", enfatizou o editorial.

Todo esse discurso do governo, de que "eles (os jornalistas) são os inimigos", levando em consideração os acordos que o mesmo governo fez nos últimos anos com líderes de gangues "é um cinismo intolerável", afirmou Silva.

Em termos mais formais, Silva disse que a Factum está avaliando a possibilidade de solicitar medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), para a organização possa exigir ao governo de El Salvador que investigue mais a fundo a questão das execuções extrajudiciais . "Especificamente, os três assassinatos, os dois ataques sexuais a menores e os atos de extorsão cometidos por esses quatro policiais" mencionados na reportagem, disse Silva.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

Artigos Recentes