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Site argentino The Bubble quer expandir modelo de notícias em inglês na América Latina

Muitos dos escritores no site digital argentino de notícias The Bubble passaram algum tempo ajudando a preencher as páginas do Buenos Aires Herald, o jornal de língua inglesa mais antigo da América Latina, com 140 anos de idade. Nos últimos anos, as duas publicações, The Bubble e The Herald, trabalharam de Buenos Aires para informar a comunidade de língua inglesa do país sobre política, cultura e economia. Mas é aí que as semelhanças terminam.

Enquanto o Herald era tradicional e formal, o The Bubble publica notícias com uma voz jovem, às vezes irreverente.

E enquanto o Herald anunciou seu encerramento em julho, em meio a fatores como receitas em queda e mudanças de proprietários que geraram controvérsia, o The Bubble está planejando uma expansão para pelo menos outros dois países da América Latina no próximo ano.

O site é criação do jornalista espanhol Adrian Bono e da economista americana Emily Hersh. Os dois criaram The Bubble em 2013, quando Bono era editor no The Herald e Hersh mantinha um blog sobre a economia da Argentina, NotParis.com – referência ao popular apelido dado a Buenos Aires, "a Paris da América do Sul". Ambos viviam na Argentina há vários anos.

"Eu senti que havia um grande público em Buenos Aires e na Argentina de falantes de inglês que não sentiam que o Herald falava com eles. Então, pensei que era importante encontrar uma maneira de alcançar esse público, geralmente mais jovem, que não lê as notícias todos os dias", disse Bono. "Eu senti que era importante para eles ter uma maneira de ficar informado sobre o que estava acontecendo no país".

O jornalista explicou que ele teve a idéia do site durante uma conversa com dois jovens dos Estados Unidos. Eles viviam na Argentina há dois anos, não falavam espanhol e disseram que não estavam interessados ​​em política. Como Bono conta, faltava cerca de um ano para as eleições presidenciais  e um dos americanos disse que não sabia o nome do presidente. Quando Bono lhe disse que era "Cristina", o jovem ficou surpreso. Ele não sabia que o presidente era uma mulher, e muito menos o nome dela.

Bono – que disse não acreditar que o jovem represente o americano médio – começou a pensar como ele, como jornalista, poderia alcançar os estrangeiros que viviam na "bolha de Palermo", referindo-se a uma área da cidade popular entre os jovens imigrantes.

O público com o qual Bono queria falar estava mais interessado em ler a Vice ou o Gawker, e nãoos meios de comunicação tradicionais. E assim, desde o início, The Bubble publica "notícias com um toque de sarcasmo".

"Nós sentimos que, por meio desse sarcasmo, as pessoas ficariam mais interessadas em nos ler", disse Bono. "O objetivo final era garantir que as pessoas soubessem o que estava acontecendo no país politica e economicamente".

Depois de quase três anos no The Herald, e de três meses trabalhando no The Bubble, Bono deixou o emprego para se dedicar ao site em tempo integral.

A equipe começou com dez escritores que moravam em Buenos Aires. Agora, eles contam com 30 colaboradores que têm entre 20 e 30 anos e trabalham em um escritório compartilhado com o site de notícias de língua espanhola Infobae, no moderno bairro de Palermo Hollywood. Daniel Hadad, fundador da Infobae, é acionista minoritário no The Bubble Argentina, mas Bono ressaltou que as empresas apenas dividem a infra-estrutura e que, apesar de a Infobae publicar notícias do The Bubble, as empresas não cooperam editorialmente.

O Bubble também recebe ajuda de estudantes de jornalismo que estagiam por meio de acordos que o site tem com universidades dos Estados Unidos e do Reino Unido. O site cobre política, esportes, entretenimento, economia, gastronomia e outros.

Tanto Bono como Hersh enfatizaram que The Bubble se concentra em fornecer contexto para leitores que não conhecem as realidades políticas e econômicas do país. Para fazer isso, eles criam "explicadores" que fornecem recursos para tirar o leitor da "bolha de informações".

Além das notícias, o site publica ​vídeos sobre temas leves, como a marca de alfajor preferida nas ruas da Argentina, além de entrevistas mais sérias com candidatos políticos. Os escritores compõem guias de música ao vivo e eventos na cidade, e os colunistas discorrem sobre política e economia.”

O site também oferece uma newsletter semanal chamada The Half-Caff, que segundo Hersh fornece contexto de forma leve. E nas noites de sexta-feira, os leitores podem baixar episódios do The Bubble Podcast, apresentado pelo ex-editor-chefe do Bubble e atual correspondente na Argentina para o The New York Times, Dan Politi.

Quando Bono e Hersh começaram o site, o público-alvo era a comunidade de expatriados de língua inglesa e millennials com idades entre 18 e 34 anos. Embora esse grupo represente cerca de 70% dos leitores, Bono disse que eles também estão atraindo um grande número de argentinos que falam inglês como segunda língua e gostam da perspectiva do site.

Uma vez que os leitores do Buenos Aires Herald começaram a desaparecer, Bono disse que o Bubble começou a atrair uma audiência mais antiga, na faixa de 50 e 60 anos, que representa cerca de 5% a 10% da audiência atual. Ele espera que esses números subam agora que The Herald acabou.

No melhor mês, Bono disse que o site atraiu 350 mil visitantes únicos.

A Bubble recebe críticas por publicar em inglês em um país de língua espanhola, como fica evidenciado na seção de FAQs do site, que é basicamente uma divertida discussão sobre escrever a respeito da Argentina enquanto estrangeiros e se a equipe faz parte ou não da CIA.

"Algumas pessoas pensam que escrever em inglês significa que você escreve ou representa os Estados Unidos ou o Reino Unido. E isso não tem nada a ver com a gente", disse Bono, acrescentando que, como o mundo diminuiu, eles querem oferecer conteúdo sobre a Argentina para a comunidade global.

Para manter a saúde financeira, The Bubble ganha dinheiro por meio de publicidade, bem como eventos para leitores e para a comunidade internacional em Buenos Aires. Eles hospedam noites de trívia, degustação de vinhos, happy hours e outros eventos de networking. Bono explicou que agora eles estão explorando eventos mais profissionais, incluindo painéis, debates e conferências.

O Bubble está atualmente em um período de transição, fechando uma nova rodada de investimentos. A equipe está reavaliando o conteúdo, reinventando a marca e planejando uma expansão para toda a América Latina.

Bono disse que The Bubble – uma empresa americana com operação argentina –​ planeja lançar uma operação do México no início de 2018 e passar para o Brasil em meados do ano que vem.

"Nosso objetivo é nos tornarmos a porta de entrada para a América Latina", explicou Bono, acrescentando que eles vão cobrir questões amplas, como o escândalo de corrupção transnacional da Odebrecht, e também as notícias locais e de eleições.

"Eu vejo o The Bubble como a fonte de informação em língua inglesa na Argentina e, espero, nos próximos dois anos, na América do Sul", disse Hersh. "À medida que [as pessoas] veem nossa empresa e nossos produtos amadurecem, o público percebe que nosso tom pode ser jovem, mas nosso domínio sobre os assuntos não é".

Avançando com planos de alcançar mais da América Latina como parte da mais nova geração de publicações de língua inglesa que informam sobre a região, Bono reconhece o legado deixado pelo jornal mais antigo, conhecido pelas reportagens sobre desaparecimentos forçados e outros abusos de direitos humanos durante a "Guerra Suja" do país.

Bono lembrou de um momento com uma leitora durante uma pauta do The Herald após a morte do ex-presidente Néstor Kirchner. Uma mulher mais velha que ele estava entrevistando perguntou qual a publicação que ele representava. Quando disse The Herald, a mulher começou a chorar e o abraçou.

"Ela disse: "Nunca li o seu jornal porque não falo inglês, mas nunca vou esquecer que é por você que tantas pessoas estão vivas hoje em dia", contava Bono. "Em poucas palavras, esse é o legado do Buenos Aires Herald. Foi Robert Cox e uma equipe de jornalistas muito corajosa que se opôs à ditadura quando ninguém mais estava fazendo isso".

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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