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Venezuelanos convertem ônibus urbanos em salas de redação para combater a desinformação

Por Lillian Michel

“Bom Dia. Este é o telejornal El Bus TV. Nós viemos trazer para você estas manchetes.”

O que soa como o início do noticiário das cinco da tarde está surpreendendo venezuelanos no local mais inesperado – o ônibus urbano.

El Bus TV é uma nova iniciativa lançada por um grupo de jornalistas, artistas, produtores audiovisuais e outros profissionais que leem as notícias diretamente para os passageiros de ônibus da cidade. O grupo foi formado em Caracas por Claudia Lizardo e Laura Helena Castillo com o objetivo de ajudar na luta contra a desinformação, em meio à crescente censura na Venezuela.

“Em um contexto de crescente controle sobre os meios de comunicação, levar a notícia para as pessoas, diretamente nos ônibus, é um esforço – ainda que pequeno, claro – para tentar resgatar o valor do jornalismo,” Castillo disse ao Centro Knight.

A idéia inicialmente surgiu quando Lizardo e Nicolás Manzano, outro membro da equipe da El Bus TV, embarcaram em um ônibus quando retornavam de um protesto e sentiram como se tivessem ingressado em uma realidade alternativa, onde as pessoas estavam alheias ao que estava acontecendo.

Os meios digitais e as redes sociais têm desempenhado papéis fundamentais na cobertura jornalística sobre a atual crise política e os protestos agora diários contra o presidente Nicolás Maduro. Nos últimos anos, muitos jornalistas que foram impedidos de fazer críticas ao governo na imprensa tradicional renunciaram e lançaram sítios digitais independentes. No entanto, embora a Venezuela tenha uma taxa de penetração da Internet de 62 por cento, mais de um terço do país ainda depende da mídia tradicional – jornal impresso, televisão e rádio – para consumir notícias.

"A maioria desses meios de comunicação está ou comprada ou controlada pelo Estado, e isso está evidente no tipo de informação que decidem compartilhar," disse Lizardo. "Por isso, a narração em pessoa para esta população [que não têm acesso à Internet] é importante e crucial para romper com a desinformação."

O grupo realizou sua primeira turnê informativa no dia 27 de maio e já fez mais de 40 delas em Caracas desde então.

Primeiro, o produtor aborda o ônibus e explica ao motorista que o grupo deseja dizer algumas palavras e pagar a tarifa ao final da viagem. Em seguida, a equipe – normalmente composta por quatro ou cinco pessoas – ingressa no ônibus. Há um apresentador, duas pessoas que gravam um vídeo com seus telefones para distribuir nas redes sociais e uma outra pessoa para segurar a figura icônica do grupo: um pedaço de papelão que simula uma tela de televisão. Quando todos estão em posição, eles vão direto para a notícia.

"[A reação tem sido] extremamente positiva," disse Lizardo. "As pessoas recebem com gratidão as informações fornecidas a elas."​

"Parece um pouco bobo dizer isso, mas em quase todas as edições eles nos aplaudem no final", disse Castillo, que afirmou que apenas cinco pessoas fizeram comentários críticos a eles. "É algo que jamais poderíamos imaginar ... Cerca de metade dos motoristas acaba nem cobrando a nossa passagem."

Sites como o The New York Times e El País têm chamado a El Bus TV de "um protesto criativo", mas os fundadores negam que o que estão fazendo – divulgar notícias – seja um protesto.

"Apesar da El Bus TV ter surgido em meio aos protestos, não é uma forma de protesto," disse Castillo. "Não convidamos ninguém para passeatas, não usamos slogans, ninguém usa roupas de qualquer partido ou ideologia política, não aceitamos doações."

Menos de um mês depois da primeira turnê informativa, jornalistas de outras cidades já têm contatado o grupo de Caracas interessados ​​em replicar o projeto. Há agora equipes da El Bus TV nos estados de Anzoátegui, Barinas e Carabobo.

A decisão de formar uma equipe em Barinas foi significativa. Trata-se do estado natal do falecido presidente Hugo Chávez e do irmão dele, Adam, que atualmente atua como governador. Chávez teve uma relação conflituosa com os meios de comunicação privados e é sabido que os seus seguidores mais agressivos assediam jornalistas.

"Desde o início, nós reconhecemos a apatia entre a população de Barinas e usamos isso como motivação para assumir o desafio que a El Bus TV representa para nós," afirmou a equipe de Barinas em um e-mail enviado ao Centro Knight. A reação em Barinas tem sido variada, de acordo com a equipe. A maioria dos passageiros demonstra indiferença ou pouco interesse, mas há pessoas que discordam claramente com o que você lê, como em uma ocasião em que um passageiro interrompeu repetidamente o noticiário.

A equipe se recorda da incerteza sentida antes da primeira viagem informativa, diante da dúvida sobre como os espectadores responderiam ao projeto. "A presença de forças de segurança em grande parte do estado nos fazia sentir inseguros e desconfiados a ponto de acreditar que o que estávamos fazendo era ilegal, quando na verdade estamos exercendo o que é nosso por direito," disse a equipe.

Castillo disse que as equipes não se preocupam apenas com sua segurança pessoal, mas também com a segurança do projeto. Sempre viajam em grupos e abordam ônibus privados ao invés de transporte público para evitar qualquer possível confronto com as autoridades.

Recentemente expandiram sua equipe em Caracas para que El Bus TV possa, eventualmente, operar todos os dias. O grupo original só podia se apresentar alguns dias por semana, porque todos os membros têm outros empregos.

"Queremos que El Bus TV cresça e perdure", disse Castillo. "[Nós não queremos] que seja abandonado sem combustível no início do percurso."

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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