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Para os meios digitais Pacifista e Colombia2020, a paz é notícia em um país com uma longa história de violência e conflito

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  • 26 novembro, 2019

Por Nubia Rojas*

Em 2014, dois anos após o governo do então presidente colombiano Juan Manuel Santos e os ex-guerrilheiros das FARC iniciarem um processo de negociação que terminaria com a assinatura de um acordo entre as partes em novembro de 2016, o país viu o surgimento de dois meios de comunicação focados nos temas da paz.

Paz

São Pacifista e Colombia2020, dois projetos informativos que compartilham, além do ano em que foram criados, o objetivo de cumprir um papel pedagógico, combinando a explicação de notícias relacionadas a questões de paz com uma análise criteriosa do contexto. No entanto, ambos esclarecem que seu trabalho não deve ser entendido como um apoio político-partidário ao processo de paz, mas como um exercício jornalístico rigoroso e independente que analisa o tema sob vários pontos de vista.

Embora não se autodefinam desse modo, ambos os meios aplicam efetivamente vários dos princípios do Jornalismo de Paz: se esforçam para explicar as causas, o desenvolvimento e as consequências do conflito armado de mais de 50 anos do país, abordam uma ampla variedade de fontes, distintas das oficiais; se concentram nas tentativas de construir a paz, sem deixar de analisar eventos violentos; humanizam os atores envolvidos sem cair em retóricas polarizadoras, buscam dignificar as vítimas e usam uma linguagem que visa contribuir para a diminuição do confronto.

Ambos os meios também têm a particularidade de serem financiados com recursos de organizações internacionais, o que favorece sua independência, e de transcender o jornalismo tradicional, ampliando o campo de ação e a influência de seu trabalho por meios de outros formatos e pequenos projetos que o apoiam e complementam.

Adaptar uma voz jovem e esforçar-se para chegar às regiões do país

O principal público de Pacifista são jovens entre 18 e 30 anos - por isso se autodenomina “uma plataforma para a geração de paz” - e isso se reflete no ar jovem e descontraído dos membros da equipe. Santiago Valenzuela, subeditor, tem 29 anos e é antropólogo: “a maioria de nossos jornalistas tem formação em ciências sociais e humanas, não em comunicação. Sem descartar que há exceções, vemos que das faculdades de comunicação às vezes se formam profissionais que se aprofundam pouco nos temas, que têm pouca curiosidade, fraquezas na hora de escrever e pouco rigor e queremos fazer exatamente o contrário”, afirmou. Ele tem experiência como editor em dois grandes meios nacionais, El Espectador e El Colombiano, e por esse motivo está acostumado à produção febril de uma redação. “Para ser jornalista em Pacifista, é preciso ter curiosidade e as questões devem afetar você. Somos todos muito jovens, mas temos um compromisso pessoal com a paz.”

Pacifista, medio de comunicación de Colombia.

Valenzuela explica que, antes de se tornar o projeto independente que é agora, Pacifista contou com o apoio do Alto Comissariado para a Paz, uma instituição do Estado sob a Presidência da República, e depois foi adquirido pela revista canadense VICE, até sua partida da Colômbia em 2018. Desde então, tem se financiado graças a organizações internacionais como Oxfam e Open Society Foundations, entre outras, focando em questões como a implementação do acordo de paz, a defesa dos direitos humanos, questões de gênero e, mais recentemente, eleições regionais. A substituição de cultivos ilícitos e o assassinato sistemático de líderes sociais e ex-combatentes das FARC são duas das questões com as quais mais tem se preocupado em abordar em profundidade.

A produção de documentários e outros conteúdos audiovisuais, gráficos chamativos e impactantes e o uso de outras formas de comunicação que, de relance, ninguém definiria como “jornalísticas”, como ações de rua, encontros musicais, fóruns, entre outros, fazem parte de sua estratégia: “queremos ir muito além do editorial, o tradicional parece um pouco chato. Tentar se aproximar dos jovens apenas através do formato escrito tem muitas limitações, principalmente considerando que as novas gerações investem em tempos de leitura mais curtos, são mais visuais e, para atraí-las, você precisa explicar os temas de maneira que entendam como afetam diretamente sua vida cotidiana. É um desafio, mas é possível fazê-lo, oferecendo conteúdo de qualidade”, afirmou Valenzuela.

Segundo o jornalista, essa estratégia os tem ajudado a chegar a mais pessoas e regiões e a obter reconhecimento, não apenas de jovens universitários urbanos, mas também de camponeses que habitam zonas de conflito distantes de Bogotá. A equipe de Pacifista sempre teve consciência da necessidade de que seu trabalho jornalístico reflita a realidade das regiões - especialmente aquelas onde mais se viveu o conflito e onde devem ser redobrados os esforços para construir a paz - e por isso fez alianças com meios locais. meios de comunicação. No entanto, espera ter uma presença permanente nos territórios: “Sonhamos em ser uma plataforma de paz muito maior, com um público mais amplo, com redações em áreas como Apartadó ou Catatumbo; que Pacifista comece a entender como as pessoas se comunicam por lá, se é através das correntes do WhatsApp ou se é preciso fazer um jornal impresso, porque há pessoas que não têm acesso à internet... temos tentado fazer coisas, como treinamento em comunicação para líderes sociais, etc. Sonho que tenhamos uma seção sobre gênero, um YouTuber sobre novas masculinidades... coisas assim. Que sejamos esse meio ainda mais capaz de incentivar as pessoas a falar sobre temas de paz e direitos humanos e colocá-los na agenda”, acrescentou Valenzuela.

O que fazer para deixar de ser um meio de nicho, que só interesse àqueles que sejam sensíveis a esses temas? “Temos que partir de um conceito de paz relacionado à forma como nos tratamos todos os dias enquanto seres humanos; questionar o sistema em que estamos, em que existem desigualdades e violências evidentes, e que temos que superar para escutar o outro, entendê-lo e poder falar sobre paz. Deve ser um conceito que construímos juntos.”

Olhando a realidade de maneira diferente para cobrir questões de paz

A repórter veterana do El Espectador, Gloria Castrillón, estava preocupada com o fato de que os meios de comunicação não estavam informando adequadamente sobre o processo de paz. Ela observava discrepâncias entre o que era discutido pelas partes na Mesa de Conversas e o que o público sabia; lhe assaltava o temor de que os temas relevantes ficariam sem análise se os jornalistas continuassem informando sobre a paz em desenvolvimento da mesma maneira que falavam sobre o conflito. Vinte anos antes, ela havia coberto o fracassado processo de paz entre o governo de Andrés Pastrana e as FARC em El Caguán e temia que a cobertura jornalística repetisse os mesmos erros da época: as práticas típicas do jornalismo de guerra que não explica, mas reproduz o confronto por meio das manchetes.

Por esse motivo, e porque seu faro jornalístico indicava que desta vez seria assinado um acordo de paz, ela propôs a Fidel Cano, diretor do El Espectador, que o jornal tivesse cobertura especializada no período pós-conflito que era iminente. Cano aceitou e instruiu-a a buscar recursos financeiros para a proposta. Por fim, a Delegação da União Europeia na Colômbia, que apoiou os esforços para alcançar uma solução política negociada para o conflito desde o início e concordava com a intuição de Castrillón de que um acordo seria assinado, decidiu apoiar a iniciativa.

Na edição de domingo, 28 de fevereiro de 2016, nove meses antes da assinatura do acordo, foi publicada a primeira página impressa em que o jornal falava de Colombia 2020. Foi um fato tão importante que o próprio ex-presidente Santos - o principal promotor do processo de paz, o objetivo mais importante de seu governo - escreveu um artigo sobre o assunto. Antes de se tornar um site, Colombia 2020 publicava duas páginas semanais impressas, nas quais falava sobre a construção da paz a partir dos territórios: “as pessoas nos diziam que estávamos loucos: que paz?, que pós-conflito?, que pós-acordo?”, recorda Castrillón. Logo viria a versão online com artigos, vídeos, curiosidades, jogos, notas pedagógicas explicando o conteúdo do acordo e histórias de paz sobre mulheres, jovens, comunidades resilientes, entre outras.

Colombia2020 del periódico El Espectador.

A justiça transicional e as vítimas são dois dos temas mais importantes para o site. Castrillón enfatiza que, desde o jornalismo, se pode favorecer uma mudança cultural e de mentalidade que permita aos colombianos entender que a justiça transicional é restaurativa e deve trabalhar de mãos dadas com a verdade e a memória histórica para que a reconciliação seja possível em um país profundamente ferido por décadas de conflito. Enquanto isso, acrescenta Castrillón, as vítimas sempre foram consideradas por Colombia 2020 como pessoas sobreviventes, resistentes, que superaram a violência; as informações sobre elas se baseiam em um tratamento digno e respeitoso, que não as reduz à narração de sua dor, mas as mostra como pessoas resilientes e capazes.

Como Pacifista, Colombia 2020 também complementou seu trabalho jornalístico com a exploração de outros formatos de comunicação orientados ao que Castrillón chama de “favorecer o diálogo social”: por isso organiza eventos em que reúne pessoas com diferentes pontos de vista - incluindo vítimas e perpetradores - para interagir entre si e demonstrar que é possível discordar sem se agredir. Mais recentemente, lançou um produto em fascículos chamado La Aldea, no qual ensina as crianças sobre temas atuais por meio de fábulas com animais. Também tem um prêmio destinado a construtores da paz para propostas de resolução de conflitos em escolas e colégios do país.

Como se cobre jornalisticamente a construção da paz? Castrillón pensa alguns segundos antes de responder: “Trata-se de ver a realidade de outra maneira, é um enfoque que te obriga a olhar para outras questões, a se fazer perguntas diferentes do habitual. É uma sensibilidade. E, embora nenhum dos jornalistas de Colombia 2020 seja especialista em questões de paz, as fontes notam que eles as abordam e os temas de outro modo. Graças a isso, conseguimos construir confiança, alcançar lugares que nunca imaginamos e vencer muitas resistências. Os próprios ex-combatentes das FARC nos abriram as portas desde o primeiro dia. A princípio, houve quem dissesse que estávamos fazendo apologia pelo fato de falar sobre eles como os seres humanos que são, mas estamos tranquilos porque sabemos que não foi isso que fizemos: é à Justiça a quem corresponde julgá-los, não a nós, jornalistas."

Para Castrillón, a confiança das fontes, dos leitores e da comunidade internacional, que os considera uma referência, indica que estão cumprindo seu objetivo, “embora haja sempre algo para melhorar, aprender e fazer”, acrescentou. Como o próprio nome indica, o financiamento do projeto está garantido até 2020, mas eles esperam ter os recursos para continuar.

Diferentes maneiras de se aproximar da paz desde a redação

Mario Morales, jornalista, analista de mídia, pesquisador e professor da Universidade Javeriana de Bogotá, critica a maneira como considera que os meios têm abordado temas relacionados ao processo de negociação e à implementação do acordo de paz. Ele acredita que o jornalismo colombiano continua narrando esses e outros eventos como se fosse uma partida de futebol ou um ringue de boxe, onde há amigos e inimigos, vencedores e perdedores. Nessa perspectiva, diz Morales, é comum que o jornalismo acabe tomando partido de um dos lados.

No entanto, ele considera que Pacifista e Colombia 2020 são casos excepcionais, porque se distanciaram desse tipo de cobertura: “Pacifista é um meio de nicho e Colombia 2020 pertence a um meio tradicional, mas, mesmo nos meios generalistas, o público se comporta como um público de nicho, procurando o que lhe interessa. Fazer jornalismo orientado para a paz não significa que os meios devam se inclinar a uma visão de paz contaminada pela política, mas abordar o tema desde uma perspectiva humana, que coloca o jornalismo como mediador, envolvendo cidadãos”, acrescenta o analista.

Para Morales, não é apenas bom, mas necessário, que Pacifista e Colombia 2020 tenham iniciativas que vão além do jornalismo para evitar ter público cativo e se dirigir apenas a quem pensa como eles: “Isso é muito importante para serem notados como líderes de opinião e envolver outros públicos, como as novas gerações, por meio de novos formatos, novas narrativas e novas estéticas".

Para o professor universitário, que investigou a cobertura jornalística da implementação do acordo, a paz deve ser um tema abordado em diferentes seções nas redações. Ele acredita que em uma sociedade submersa em vários tipos de violência, como a Colômbia, o jornalismo que fala de paz sob a perspectiva da resiliência, convivência e reconciliação sempre será uma necessidade; mas dependerá da existência de públicos interessados ​​e de que esse tipo de iniciativa possua possibilidades reais de financiamento e conte com a independência necessária para desempenhar bem seu trabalho: para fazer jornalismo que catapulte a mudança social e favoreça a participação dos cidadãos.

 

*Nubia E. Rojas G. Jornalista e consultora independente especializada em comunicação, jornalismo e construção da paz.

Nubia Rojas

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