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Assassinatos de jornalistas no México não se devem à censura, mas ao papel que eles desempenham em suas comunidades, diz autora de livro

Quando a jornalista mexicana Alejandra Ibarra começou em 2018 a construir o projeto Defensores da Democracia, que busca preservar e catalogar o trabalho publicado por jornalistas assassinados em seu país, uma de suas principais preocupações era entender por que o México era uma nação tão violenta para a imprensa, apesar de ser uma democracia com todas as garantias da lei.

Ibarra e a equipe com a qual formou Defensores da Democracia acreditavam que no trabalho dos jornalistas assassinados poderiam encontrar pistas para entender o motivo dessa violência, que entre 2000 e 2023 tirou a vida de pelo menos 162 jornalistas, de acordo com a Artigo 19.

A jornalista disse que, em um primeiro momento, ao analisar o trabalho de seus colegas assassinados, ela esperava encontrar um jornalismo agressivo, com revelações contundentes ou temas delicados. No entanto, ela se deparou com um jornalismo que parecia ser o mais inofensivo e cotidiano.

Cover of the book "Cause of Death: Questioning Power", by Mexican journalist Alejandra Ibarra

Ibarra investigou o que têm em comum os jornalistas assassinados no México, seu trabalho e o momento histórico no qual foram privados da vida. (Foto: Divulgação)

"Eu esperava encontrar investigações muito sofisticadas, de assuntos muito escabrosos, de crime organizado, que teriam encontrado provas muito sensíveis", disse Ibarra à LatAm Journalism Review (LJR). “Pelo contrário, o que encontro é um jornalismo muito cotidiano, muito comunitário. E é aí que começa a grande questão: por que esse jornalismo que parece tão inofensivo em certo sentido é o que faz com que assassinem esses colegas?”

A partir da pesquisa e compilação do Defensores da Democracia e de dezenas de entrevistas para o podcast derivado do projeto, "Voces Silenciadas", Ibarra começou a tentar encontrar padrões e descobrir o que jornalistas assassinados, seu trabalho e o momento em que foram privados de suas vidas tinham em comum. Os resultados dessa pesquisa foram publicados no livro “Causa de muerte: Cuestionar al poder. Acoso y asesinato de periodistas en México” (“Causa da morte: questionar o poder. Assédio e assassinato de jornalistas no México”).

No livro, Ibarra argumenta que não é tanto a informação que os jornalistas divulgam, mas o papel que desempenham em sua comunidade que os leva a serem alvos de assassinato. Um dos padrões que ela encontrou é que jornalistas mortos nos últimos anos no México eram principalmente repórteres locais ou jornalistas cidadãos que ocupavam um lugar respeitado em sua comunidade. Eles conseguiam promover alguma participação social quando se posicionavam sobre os acontecimentos. Também eram pessoas que frequentemente questionavam os poderes vigentes em sua localidade.

"Proponho que [o jornalismo deles] deriva do fato de serem membros das comunidades que cobrem. Em seu jornalismo, eles assumem uma posição. Ou seja, não dizem apenas 'este hospital não tem remédios', dizem 'este hospital não tem remédios e isso é injusto'", disse Ibarra. “Essa tomada de posição vem do papel que eles têm como líderes sociais. Eles convidam outras pessoas a também se posicionarem, a levantarem suas vozes, a serem inconformistas e a participarem das coisas.”

Outro padrão que ela encontrou é que jornalistas assassinados nos casos que analisou tinham muita liberdade editorial e eram fundadores de seus próprios meios de comunicação, desde páginas do Facebook até meios impressos, ou operavam em meios comunitários.

Quando os dois fatores acima se juntam em um momento em que o poder local, oficial ou de fato, passa por momentos de instabilidade, como campanhas eleitorais ou a disputa por território entre vários cartéis de drogas, a probabilidade de violência letal contra jornalistas que se posicionam e se manifestam aumenta, disse Ibarra em seu livro.

"Esses assassinatos não são um meio para atingir um fim. Ou seja, eles não matam o jornalista para esconder certas informações, mas os assassinatos são o fim em si mesmo", disse ela. “Eles os matam para puni-los, os matam para dizer 'isso é o que acontece quando você me questiona'.”

Os casos analisados em "Causa de muerte: Cuestionar al poder" são os de Javier Valdez, fundador do semanário Ríodoce e assassinado em 2017 em Culiacán, Sinaloa; Nevith Condés, fundador do portal El Observatorio del Sur e assassinado em 2019 no Estado do México; Samir Flores, fundador da estação comunitária Radio Amiltzinko e também assassinado em 2019; e Juan Antonio Salgado, policial do Estado de Baja California Sur que denunciou más práticas de seus superiores em suas redes sociais e foi assassinado em 2014.

Para a autora, o caso de Salgado e o de Felicitas Martínez e Teresa Bautista, os dois últimos também mencionados no livro, são exemplos que ilustram o debate existente entre as autoridades e as organizações que defendem a liberdade de expressão sobre quem deve ser considerado jornalista e quem não deve ao classificar um assassinato. Martínez e Bautista eram membros de uma comunidade indígena que fundaram a estação de rádio comunitária La Voz que Rompe el Silencio, no estado de Oaxaca, e foram assassinadaos em 2016. Já Salgado, que era policial, é considerado por Ibarra como uma pessoa que exercia atividades jornalísticas.

De acordo com Ibarra, esse debate contribui para abrir caminho para a impunidade, pois os promotores descartam o trabalho jornalístico como causa dos ataques quando as vítimas não são jornalistas com diploma ou não estavam trabalhando como jornalistas no momento em que foram mortas.

"Esses são jornalistas locais, hiperlocais, comunitários e cidadãos. Muitas vezes, o jornalismo não é sua fonte de renda. Eles têm um táxi, que é o seu ganha-pão, ou uma taqueria, ou um cibercafé", disse ela. “Pessoalmente, eu me apego à definição mais liberal ou mais progressista, que é a de que qualquer pessoa que esteja documentando o que está acontecendo na realidade, que corrobora esses acontecimentos e os publica para informar outras pessoas, é um jornalista.”

Ibarra disse que promotores geralmente consideram que o assassinato de um jornalista só tem a ver com o trabalho jornalístico quando há um elemento de censura, para evitar que certas informações sejam divulgadas, o que nem sempre é o caso. Em seu livro, ela propõe que a censura não é necessária para que o motivo do crime seja o jornalismo.

Mexican police officer Juan Antonio Salgado Burgoin speaks to the camara with a yellow background.

Embora não fosse jornalista, o policial Juan Antonio Salgado usava as redes sociais para denunciar injustiças, o que é trabalho jornalístico, de acordo com Ibarra. (Foto: Captura de tela de YouTube)

"Acho que o próprio papel de levantar a voz, de demandar, denunciar, exigir, que muitos desses jornalistas fazem, para mim também é trabalho jornalístico", disse. “Eles têm uma voz com credibilidade e uma voz de liderança na sociedade. E eles não teriam essa voz de credibilidade e liderança se não fosse por seu jornalismo.”

Ibarra se referiu à impunidade quase total que reina nos assassinatos de jornalistas. Isso, segundo ela, é simplesmente um reflexo da impunidade que existe em geral no sistema judiciário mexicano. Em alguns casos, os criminosos são pegos, mas quase nunca os mandantes.

A jornalista descobriu que, nos casos em que os mentores foram encontrados, eles acabaram sendo pessoas que detinham um certo nível de poder em nível local, seja político ou de grupos criminosos.

Por exemplo, de acordo com as investigações da Promotoria Especializada para a Atenção de Delitos Cometidos contra a Liberdade de Expressão (Feadle, na sigla em espanhol) do México, o suposto mandante do assassinato de Javier Valdez era um chefe do tráfico de drogas, filho de um colaborador de Joaquín "El Chapo" Guzmán. No caso do assassinato do jornalista Moisés Sánchez em 2015, no estado de Veracruz, o suposto mandante foi o então prefeito do município de Medellín de Bravo, segundo as autoridades.

"Uma maneira de ver isso é muito semelhante à tradição latino-americana, se pensarmos em coronéis ou caudilhos. Historicamente, no México, os caciques políticos são um pouco combinados com os do crime organizado, e acho que é isso que ainda acontece", disse Ibarra. "Penso neles não como duas esferas diferentes, mas como pessoas que detêm o poder em uma comunidade por um motivo ou outro. Mas a maneira pela qual elas detêm o poder é muito semelhante."

Objetividade vs. ativismo

Embora a tradição jornalística convencional determine que repórteres devem ser imparciais e evitar tomar posição sobre os fatos, isso não se aplica exatamente quando se trata de jornalistas cidadãos ou comunitários, de acordo com Ibarra.

Ao longo de sua pesquisa, a autora descobriu que é mais fácil para um jornalista ser neutro e objetivo quando o sistema político ao seu redor não está em questão ou quando não o afeta diretamente. Esse não é o caso dos jornalistas que são mortos no México, de acordo com o livro.

"Há muitos jornalistas homens, cisgêneros e brancos que não são realmente afetados por debates políticos. Portanto, eles têm um pouco desse privilégio de distância, de poderem ser objetivos. Mas quando o debate político afeta você, acho que é muito mais complicado", disse Ibarra. “Se eu morasse em um município onde os jovens estão desaparecendo e tivesse filhos da mesma idade dos jovens que desapareceram, não sei como ou por que eu deveria ser objetiva.”

Cover of La Jornada newspaper featuring the news of the murder of Mexican journalist Javier Valdez

Javier Valdez, que foi assassinado em 2017, fundou seu próprio meio de comunicação, tinha ampla liberdade editorial e era respeitado em sua comunidade, fatores que se repetem em outros assassinatos de jornalistas no México. (Foto: La Jornada)

Os assassinatos de jornalistas são a expressão máxima da violência contra a imprensa no México, mas não são a única. Autoridades de todos os níveis no México frequentemente criticam jornalistas que as questionam. O próprio presidente da República, Andrés Manuel López Obrador, hostiliza constantemente os jornalistas que questionam as autoridades.

Para Ibarra, tanto nos assassinatos quanto no assédio verbal, a motivação para atacar a imprensa é a mesma.

"Aqueles que agridem verbalmente os jornalistas e aqueles que os agridem fisicamente partem do mesmo princípio, que é se sentir ofendido ou sentir que o jornalista está saindo do lugar que lhe foi designado ao desafiá-los ou questioná-los", explicou. “Eles veem isso como uma espécie de ousadia, em vez de ver isso como uma função democrática.”

Em sua opinião, o fato de o jornalismo crítico ser visto no México como uma ousadia e não como uma manifestação de democracia tem a ver com a falta de educação democrática, especialmente por parte dos funcionários públicos. E isso, segundo ela, se deve ao fato de o país ter vivido mais de sete décadas de governo partidário hegemônico, durante as quais a maior parte do jornalismo não desempenhou um papel crítico, mas se dedicou a reproduzir as mensagens do governo no poder.

"Acho que há uma tradição de poder e de funcionários públicos que ainda não concebem o jornalismo como algo diferente disso. Não acho que o valor do jornalismo seja compreendido e há essa expectativa de que os jornalistas reproduzam a mensagem das autoridades", disse ela. “Acho que há uma falta de educação democrática por parte dos funcionários públicos nesse sentido.”

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