Em 2023, a LatAm Journalism Review (LJR) publicou mais de 250 textos, entre reportagens, entrevistas e coberturas de eventos sobre temas urgentes para o jornalismo como inteligência artificial, emergência climática e violência contra jornalistas, especialmente as mulheres. Foram, em média, 20 textos por mês, produzidos pela equipe fixa da revista digital e por colaboradores, oferecendo uma perspectiva latino-americana aos debates sobre inovação no jornalismo e liberdade de imprensa.
Assim como fizemos no fim do ano passado, cada repórter da LJR fez sua retrospectiva de 2023 selecionando uma reportagem própria e uma escrita por um colega que considerou mais marcantes. Também listamos algumas das reportagens que mais cativaram nossa audiência e ficaram entre as mais lidas do ano.
Entre minhas matérias, destaco o texto “Processo sem precedentes que pode tirar rádio Jovem Pan do ar reacende debate sobre liberdade de expressão”. Por incontáveis vezes, comentaristas da Jovem Pan incentivaram mais ou menos explicitamente uma intervenção militar ou uma revolução no país. Por exemplo, um dos analistas da rádio defendeu a deflagração de uma guerra civil, enquanto outro afirmou que “a única maneira de restaurar a ordem é através do caos”. É bom lembrar que apoiadores do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro invadiram o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio Presidencial em 8 de janeiro de 2023.
Como a Justiça deve reagir a isso? Como conjugar a necessidade de pluralidade e liberdade de expressão, cruciais em qualquer democracia, com o mínimo de prestação de contas por parte de comunicadores? É permitido utilizar uma concessão pública para propagandear a tomada antidemocrática do poder? Segundo os especialistas consultados, no caso brasileiro, a resposta para a última pergunta é não: há legislações no país que explicitamente vetam este tipo de atitude. Uma sentença sobre o caso, contudo, ainda não foi proclamada, e a discussão segue em aberto.
Quanto às matérias que mais gostei de ler, indico o texto “Rádios fecham às dezenas na Venezuela, e desertos de notícias crescem no país”, de minha colega Katherine Pennacchio. A reportagem descreve muito bem o acúmulo de dificuldades a que estão submetidos jornalistas venezuelanos, com o fechamento de dezenas de estações de rádio há décadas no ar e o crescimento de zonas de silêncio.
A proliferação destes desertos de notícias torna-se especialmente preocupante quando sabemos que há a previsão de eleições para 2024, e que a oposição decidiu concorrer e organizou-se para tal. Como várias ações, incluindo a repressão à imprensa, mas também aprisão de oposicionistas demonstram, o governo de Nicolás Maduro está sufocando a dissidência. Como fica a imprensa nesse contexto? O texto de Pennacchio dá algumas indicações de respostas para essas perguntas, sem que haja motivo para otimismo.
Entre todas as excelentes reportagens que meus colegas escreveram em 2023, a que mais me marcou foi “Exposição ‘Chile, 1973’ apresenta primeiros dias da ditadura de Pinochet pelo olhar do fotojornalista Evandro Teixeira”. Meu colega André Duchiade teve o privilégio de conversar pessoalmente com o lendário fotojornalista brasileiro e relatou essa conversa em um texto delicioso, recheado de histórias da cobertura arriscada e excepcional de Teixeira do pós-golpe no Chile. Depois de ler o texto, tive a chance de ver a exposição que reuniu 160 fotos feitas por Teixeira no Chile e no Brasil sob ditaduras militares inimigas do jornalismo e das liberdades de imprensa e de expressão. Posso atestar que, como André escreveu, a mostra ressaltou “a importância do fotojornalismo para a documentação histórica” e evidenciou “o poder da coragem e da tenacidade de um fotógrafo quando amparadas por um jornal forte e bem estruturado”.
Já ao revisitar as reportagens que escrevi em 2023, me alegrei ao relembrar as conversas que tive com jornalistas comprometidos com o ofício e com o direito da população à informação. Nem todas essas conversas foram alegres, porém; muitas trataram da violência enfrentada por jornalistas cobrindo uma América Latina conflagrada, com suspeitas da presença do crime organizado em instituições públicas e a incapacidade (ou falta de vontade) dos governos de fazer frente a essa investida. Uma delas foi com a jornalista equatoriana Karol Noroña. Com apenas 28 anos, Karol é uma das profissionais que teve que sair de seu país por conta da violência que explodiu no Equador em 2023. Contei essa história na reportagem “Ameaças do crime organizado e inação do poder público no Equador motivam exílio de jornalistas”. Me emocionei várias vezes durante minha conversa com Karol. “Contar histórias de um contexto de morte é justamente lutar para seguir contando a vida”, me disse ela. Parte do nosso objetivo na LJR é contribuir para que jornalistas continuem contando suas histórias, assim como as de seus concidadãos, e sigam resguardando a democracia.
A cobertura de notícias de última hora é algo raro na LJR, devido às características de nossa publicação. No entanto, este ano tivemos que cobrir quase em tempo real um evento sem precedentes para o jornalismo na América Latina: o desterro de 222 presos políticos, entre eles cinco jornalistas e empresários da mídia e dois estudantes de jornalismo, que foram libertados da prisão em fevereiro pelo regime de Daniel Ortega na Nicarágua e enviados em um voo para os Estados Unidos.
As informações eram escassas e incertas devido ao sigilo e à pressa com que a libertação foi realizada. Nem mesmo os presos políticos libertados sabiam ao certo o que estava acontecendo, muito menos os jornalistas que estavam tentando relatar os fatos.
Consegui falar com Lucía Pineda, uma colega e amiga de vários dos jornalistas libertados, que me contou por telefone o que estava ouvindo, quase em tempo real. Horas depois da ligação, ela voou para Washington D.C. para se juntar a seus colegas, em um momento comovente.
Do trabalho de meus colegas, gostaria de destacar a entrevista de André Duchiade com Natalia Viana, presidente da Associação de Jornalismo Digital (Ajor). Eles discutiram em detalhes os prós e contras da proposta de lei no Brasil para regulamentar as plataformas de redes sociais e fazer com que elas paguem aos meios de comunicação pelo uso de seu conteúdo.
Na entrevista, Viana propõe as modificações que, de acordo com a Ajor, devem ser feitas na lei proposta para evitar que apenas os grandes meios se beneficiem. A presidente da associação também explicou a importância de os jornalistas contribuírem para promover discussões e pensar em soluções para a sustentabilidade de sua profissão.
Para os leitores fora do contexto brasileiro, essa entrevista esclarece detalhes relevantes para entender a importância de uma lei como essa em um país onde as plataformas digitais causaram estragos na vida pública e desencadearam crises de desinformação em momentos importantes.
No início deste ano, escrevi sobre uma questão importante, embora triste, no setor de mídia da América Latina: a precariedade dos empregos. “Jornalistas latino-americanos denunciam precarização na profissão” foi, sem dúvida, minha história favorita do ano.
Pude ouvir os depoimentos de jornalistas que denunciaram a falta de contratos de trabalho na profissão, os baixos salários e a falta de garantias para exercer o jornalismo com segurança. E também histórias de pessoas que decidiram mudar de profissão. Acho que essa é uma questão que afeta todos os jornalistas da América Latina e gostaria de continuar escrevendo sobre ela no próximo ano e tentar reportar sobre soluções para o problema.
Também gostaria de destacar o trabalho de meus colegas da LJR. Em setembro, André Duchiade relembrou o legado jornalístico do candidato presidencial equatoriano assassinado Fernando Villavicencio. Era uma história necessária para o nosso público e valorizo a maneira respeitosa com que André a escreveu. Eu só conhecia o lado político de Villavicencio, então foi interessante ler sobre suas realizações jornalísticas também.
Também quero aplaudir o trabalho da minha colega Silvia Higuera, que liderou o especial publicado na LJR por ocasião do Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas, que é comemorado todo dia 2 de novembro. Recomendo a todos que confiram o especial. Um dos principais motivos pelos quais os ataques a jornalistas continuam ocorrendo é que não há justiça e os casos ficam impunes. É importante seguir dando atenção a esse tema.
Este ano, gostaria de destacar o projeto especial por ocasião do Dia Internacional pelo Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas.
Com o apoio da equipe da LJR, destacamos quatro casos de violência contra jornalistas na região, cujos crimes permanecem impunes apesar dos anos que se passaram. Escrever as histórias de Moisés Sánchez, Gabriel Hernández, Claudia Julieta Duque e Pedro Palma (juntamente com minha colega Carolina de Assis) foi, sem dúvida, um exercício muito exigente com o qual procuramos evitar que esses crimes sejam esquecidos.
E se eu puder destacar mais um, gostaria de mencionar o artigo que analisa o processo judicial contra o jornalista guatemalteco José Rubén Zamora. Especialistas explicaram como as acusações contra ele e seu julgamento supostamente fazem parte de um esquema maior que envolve diferentes ramos do governo. Eles dizem que o propósito é silenciar a imprensa e opositores políticos, bem como perseguir e encurralar operadores da justiça e advogados que atuam nos casos dos meios de comunicação, tudo isso em meio a uma campanha eleitoral marcada por alegações de corrupção e irregularidades. Embora um tribunal de apelações tenha anulado a condenação de Zamora, ele permanece na prisão aguardando um novo julgamento.
Por fim, gostaria de convidá-los a ler o artigo do meu colega André Duchiade que conta como uma ação judicial sem precedentes no Brasil busca tirar do ar a estação de rádio de ultradireita Jovem Pan. O argumento da ação judicial tem a ver com a difusão reiterada de "conteúdo que desacreditou, sem provas, o processo eleitoral de 2022", entre outras alegações. O caso provocou um debate muito interessante sobre a liberdade de expressão e de imprensa, bem como sobre o marco regulatório do país.
Fellowships, bolsas e oportunidades abertas para jornalistas da América Latina
As bolsas em centros de pesquisa e universidades dos Estados Unidos e da Europa estão entre as experiências mais cobiçadas na carreira de jornalistas. A LJR faz um apanhado das principais oportunidades disponíveis para quem é da América Latina, com vagas que contemplam desde iniciantes até profissionais muito experientes. Há oportunidades abertas até fevereiro de 2024.
Recursos úteis de inteligência artificial para jornalistas
Os palestrantes do webinar "IA generativa: o que os jornalistas precisam saber sobre ChatGPT e outras ferramentas" compartilharam uma lista de recursos úteis de inteligência artificial para que jornalistas possam explorar as vantagens dessa tecnologia. A LJR compartilhou a lista com informações adicionais sobre cada ferramenta.
Os casos da jornalista brasileira Schirlei Alves e do jornalista chileno Felipe Soto Cortés evidenciam o impacto da criminalização da difamação na liberdade de imprensa na América Latina. Uma sentença da Corte IDH contra o Chile aponta caminhos para combater o uso da lei penal para silenciar jornalistas na região.
ChatGPT não vai roubar nossos empregos, mas aprender sobre tecnologia é crucial, dizem especialistas
Participantes de webinar do Centro Knight sobre o ChatGPT e congêneres sugeriram que jornalistas experimentem com a IA generativa para compreender as suas capacidades e limitações. Aprender a criar comandos eficazes pode permitir abreviar tarefas repetitivas e incrementar a capacidade de reportagem de veículos e profissionais.