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Caso de estigmatização demonstra novos perigos enfrentados por jornalistas colombianos

O recente caso de estigmatização contra o colunista da revista Semana Daniel Samper Ospina é apenas um exemplo de novos tipos de ameaças que jornalistas estão vivenciando na Colômbia, onde a violência letal de décadas passadas parece ter reduzido seus números.

Para Pedro Vaca, diretor-executivo da Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP), embora no país tenha reduzido o número de assassinatos de jornalistas por razões relacionadas com o seu trabalho (em 2016 não se registraram assassinatos de jornalistas e até agora em 2017 a cifra se mantém em zero), outros tipos de violações contra a imprensa vêm aumentando.

"Há outro tipo de violência que não o assassinato que persiste na Colômbia e que se relaciona com as ameaças a jornalistas por seu trabalho, obstruções ao trabalho jornalístico, incluindo casos de sequestro que ocorreram este ano, o que marca um pouco a violência como um recurso de censura usado por aqueles que querem silenciar a imprensa", disse Vaca ao Centro Knight.

De fato, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publicou no último 26 de julho um comunicado no qual expressava preocupação com a "estigmatização e violência contra jornalistas" no país.

A entidade instou o governo a "fortalecer medidas abrangentes de prevenção, proteção e procuração de justiça" em casos envolvendo jornalistas, como parte de sua obrigação internacional.

Um dos casos mencionados no comunicado foi o de Samper Ospina, que denunciou perante a Justiça do país o ex-presidente e atual senador Álvaro Uribe depois que este o chamou de "violador de crianças" através de sua conta no Twitter.

Um tuíte publicado por Uribe tratava de uma carta enviada por um assinante da revista Semana que se queixava das colunas de Samper Ospina, razão pela qual cancelava sua assinatura. "Federico Escobar protesta por ofensa do violador de crianças, Samper Ospina, a Antioquia, ofensa publicada na Semana", o dizia o tuíte.

Após a polêmica gerada por sua declaração, o ex-presidente não apresentou nenhuma evidência para fundamentar a acusação contra Samper, mas tentou explicar afirmando que o colunista era um "violador dos direitos das crianças" por ter zombado do nome da filha de uma senadora do partido de Uribe. Ele também acrescentou que, quando Samper dirigiu a revista SOHO, o jornalista "fez publicações pornográficas com menores", informou o jornal El Espectador.

O colunista entrou com uma ação de tutela contra Uribe "por violar seu direito a um bom nome", segundo a FLIP.

No dia 2 de agosto, o Tribunal Superior de Bogotá decidiu a favor do jornalista e ordenou o senador a "emitir uma retratação firme e precisa da atribuição ao requerente de ‘violador de crianças’ e da afirmação de que ele fez 'publicações pornográficas ', através do mesmo meio no qual elas foram divulgadas, observando que essas declarações feitas anteriormente não se baseiam em evidências disponíveis; portanto, não é verdade o que foi afirmado por ele sobre o jornalista", de acordo com a sentença.

O Tribunal outorgou 48 horas depois de emitida a sentença para que Uribe fizesse a retratação.

"Apesar da minha discordância e pelo respeito que devo à administração da Justiça, acato a decisão do Tribunal de Bogotá. Assim, como me exige a Justiça, corrijo que ele [Samper] não é um violador de crianças. Nunca quis acusá-lo de violação física ou sexual de crianças. Quanto à pornografia infantil, meu juízo de valor é rejeitado pelo Tribunal em providência que prevalece sobre minha opinião, providência que acato; portanto, tenho que aceitar que juridicamente, segundo critério de autoridade, não se configurou pornografia infantil", diz a retratação de Uribe.

Não obstante, Uribe apresenta em seu texto as razões pelas quais considera que o colunista afetou os direitos dos menores de idade, assim como utilizou aspectos físicos para zombar de algumas pessoas, entre outras observações.

De sua parte, Samper publicou um vídeo no qual expressou sua satisfação com a decisão da Justiça e até aceitou que o ex-presidente tenha feito a retificação "muito à sua maneira, considero sua retificação como um novo marco".

Acrescentou que continuará seu exercício de "crítica e sátira política sobre quem eu tenha que fazê-lo, inclusive de quem teve que retificar suas injúrias e calúnias contra mim."

Estigmatização de jornalistas em meio à polarização

O caso de Samper Ospina foi dos que mais conseguiu manchetes na imprensa do país e inclusive da região, não só por causa da gravidade da acusação contra ele, mas também pelo peso político que o ex-presidente Uribe ainda tem no país.

Em meio à polêmica causada pela acusação de Uribe, mais de 50 jornalistas assinaram uma carta na qual exigiam ao senador que cumprisse a lei e que cessasse sua campanha de estigmatização e de acusações contra a imprensa.

"É hora de o ex-presidente Álvaro Uribe Vélez deixar para trás a prática sistemática de difamar, caluniar e insultar seus críticos como se não fosse um ex-presidente obrigado a dar o exemplo, ou um cidadão sujeito ao Código Penal", iniciava a carta. "O limite de todos os colombianos é e deve ser a lei. E é hora que o ex-presidente esteja à altura do enorme poder do qual vem abusando sem maiores consequências".

Segundo a carta, o que Uribe diz é suficiente para acabar com o nome de qualquer pessoa, razão pela qual ele deve ser um "líder responsável e digno".

Esta não foi a primeira vez que Uribe se referiu a Samper com termos estigamatizantes. Ele já o havia chamado de "bandidinho", "maltratador de meninas recém-nascidas" e "palhaço", de acordo com a FLIP.

Por isso, para Samper, a decisão em seu caso pode estabelecer um precedente para evitar não só que Uribe faça esse tipo de declarações, mas também outros funcionários públicos.

"Espero que meu caso sirva de precedente para que figuras políticas como Álvaro Uribe não possam lançar campanhas de difamação através das redes (às quais costumam recorrer para evitar a intermediação dos meios de comunicação tradicionais, precisamente) de modo tão impune", disse Samper ao Centro Knight. "Pelo menos desta vez ele se deparou com a reação dos próprios jornalistas, uma reprimenda da Relatoria da OEA e uma sentença de um juiz contra ele, com o castigo incluído. [...] Oxalá a soma desses elementos sirvam de defesa, para que cada vez lhe custe mais trabalho ativar seu manual de difamação, que é sempre o mesmo".

Samper tampouco foi o único jornalista atacado por Uribe. Em maio passado o ex-presidente rotulou o repórter de Noticias Uno Julián Martínez como "pró-Farc". Isso por causa de uma matéria que divulgava que Uribe supostamente usou dinheiro do Estado em suas propriedades particulares quando ainda era presidente, informou a FLIP.

A lista também inclui os jornalistas Daniel Coronell, Gonzalo Guillén e Hollman Morris, entre outros, acrescentou a FLIP.

O caso permitiu analisar a situação de polarização do país assim como do uso das redes sociais. A sentença que obrigou Uribe a se retratar, por exemplo, também determinou a obrigação dos funcionários públicos de ser mais tolerantes a críticas e instou que o uso das redes sociais, especialmente por líderes de opinião (incluindo jornalistas), seja feito com mais responsabilidade.

"O fomento do ódio de qualquer natureza, tão em voga hoje em dia, poderá render frutos passageiros para alguma bandeira, mas não honra a condição humana de seus divulgadores e mais cedo do que tarde se refletirá em fenômenos como os que já se lamentam em países próximos e amigos", estabelece uma reflexão da sentença.

Para Vaca, da FLIP, o que preocupa sua organização é o uso da estigmatização contra jornalistas por funcionários públicos, que em um ambiente polarizado como o colombiano põe em risco a vida de jornalistas.

"Mais do que a mídia polarizada, o que há [na Colômbia] é uma sociedade polarizada, onde, e o que mais nos preocupa, é que funcionários públicos ou pessoas em lideranças sociais não só não contribuem para um ambiente favorável, mas incentivam violência contra jornalistas", disse Vaca. "Os funcionários públicos não respondem a críticas ou denúncias de jornalistas, mas atacam via estigmatização".

Mas as declarações estigmatizantes não chegam somente por parte de funcionários públicos. A sociedade civil também tem participado nestes processos de estigmatização. Antes do caso de Samper, a jornalista Claudia Gurisatti, diretora de Noticias RCN e NTN 24, denunciou que foi vítima de uma campanha de assédio nas redes sociais, segundo a Relatoria Especial.

No Twitter ganhou força a hashtag #GurisattiAUCN24, vinculando-a com o extinto grupo paramilitar Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC). A jornalista disse que recebe sete tuítes por minuto contra ela. "Aqueles que me estigmatizam colocam minha integridade em perigo", disse ela em meio à campanha de perseguição em julho passado.

Colômbia, como explicou Vaca, não permaneceu alheia à tendência global na qual os meios de comunicação se tornaram alvo de críticas por seu papel no momento de informar e são acusados de transmitir “fake news”, ou “notícias falsas”.

"Hoje, mais do que nunca, se requer transparência dos meios de comunicação", disse Vaca. "É importante que os meios ofereçam, de maneira transparente, informação que possa ser de interesse do público e sobre quem os faz, que interesses podem ter tanto política e economicamente. Isso é fundamental."

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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