texas-moody

Criadores de podcasts latino-americanos discutem modelos de negócios, formação de público e propriedade intelectual no festival Estación Podcast

Criadores de podcasts da América Latina compartilharam suas experiências e pontos de vista sobre criação e formas de financiamento em diversas mesas de discussão da segunda edição do Festival Ibero-Americano de Criação Sonora Estación Podcast, realizado em Madri, Espanha, de 9 a 13 de maio.

Um dos temas mais comentados por produtores de podcasts jornalísticos, conversacionais e narrativos de não ficção de países como México, Argentina e Colômbia foram as diferentes opções de modelos de negócios e as várias formas que os criadores experimentaram na tentativa de tornar suas produções sustentáveis.

Para o jornalista argentino Daniel Wizenberg, o contexto de precariedade que atinge o jornalismo em quase todo o mundo também chegou à indústria do áudio, inclusive nos Estados Unidos, onde recentemente o grupo canadense de mídia digital Vice, com sede em Nova York, anunciou o fechamento de várias de suas suas produções e verticais, incluindo a de áudio, duas semanas antes de declarar falência total.

“Não temos que pensar mais em modelos de negócios. Jornalismo não é negócio. Vejo que quando é negócio, deixa de ser jornalismo”, disse Wizenberg na mesa de discussão “Financiando jornalismo investigativo sonoro”. “O mais urgente é poder financiar o trabalho dos jornalistas. Não estamos pedindo muito, estamos pedindo um bom salário para fazer bem o nosso trabalho”.

Podcasters Flavia Campeis,

Da esquerda para a direita: Flavia Campeis (Argentina), Ana Tudela (Espanha), Carolina Guerrero (Colômbia) e Daniel Wizenberg (Argentina) falaram sobre formas de financiar o jornalismo sonoro de investigação. (Foto: Captura de tela do YouTube)

 

 

Wizenberg, que atualmente é o gerente de engajamento  do público e impacto no Journalismfund Europe, uma organização sem fins lucrativos com sede em Bruxelas dedicada a estimular a pesquisa jornalística internacional, citou subsídios e bolsas de estudo como algumas das opções mais viáveis ​​para financiar projetos de podcast.

Disse que o Journalismfund Europe procura incentivar a produção de mais investigação jornalística em formato de áudio, uma vez que são poucas as propostas deste tipo que se candidatam para os fundos oferecidos pela organização.

Como existem poucas opções de financiamento especificamente para podcasts, criadores aspirantes devem estar preparados para vender seus projetos em diferentes formatos e acomodar as condições de financiamento existentes, recomendou Wizenberg.

“Quase nenhuma bolsa pede exclusividade, então se você encontrar ângulos diferentes para a mesma história, pode financiar várias vezes. E é aí que realmente se trabalha muito mais confortável. Com a primeira, para cobrir os custos e com a segunda você começa a trabalhar com um pouco mais de conforto”, disse.

Uma das produtoras de podcast financiadas por meio de fundos de organizações é a Radio Ambulante, sediada em Nova York e que possui uma rede de jornalistas em vários países da América Latina. Sua CEO, Carolina Guerrero, fez parte da mesa de discussão e disse que pelo menos um terço da receita da Rádio Ambulante vem de fundações.

Guerrero disse que buscar o apoio de organizações é um trabalho em tempo integral e geralmente é obtido inicialmente para projetos específicos. No entanto, a missão dos podcasters deve ser ganhar a confiança das organizações e construir um relacionamento que financie as operações de toda a organização.

“Quando você já constrói essa relação com as fundações, é possível fazer a gestão desses apoios, que nos Estados Unidos são chamados de general capacity, que é como capacidade geral, que já é como para operações”, afirmou. “Como eles confiam em você, de repente você já tem apoio por vários anos e com valores fixos.”

Outro terço da receita da Radio Ambulante, disse Guerrero, vem de contratos de distribuição, coprodução e licenciamento, como o que eles têm com a Rádio Pública dos Estados Unidos (NPR, na sigla em inglês), que lhes paga uma taxa anual para distribuir exclusivamente seus podcasts.

O terço restante de seu orçamento vem do programa de sócios “Deambulantes” e de projetos paralelos como o Lupa, o aplicativo de aprendizado de espanhol baseado no conteúdo de áudio da Rádio Ambulante.

“Nós, como uma organização sem fins lucrativos, rapidamente percebemos que produzir esses podcasts é muito caro. As investigações demoram muito, pode facilmente levar dois anos para perseguir uma história [...] e a parte de edição é muito artesanal", disse Guerrero. “Então o que fizemos foi construir um modelo de negócio ao longo de todos esses anos que não dependa apenas de uma fonte de renda.”

Outros produtores têm optado pelo financiamento por meio de oficinas e cursos. É o caso da Revista Late, rede de jornalismo global, independente e sem fins lucrativos com representantes em diversos países da América Latina.

Revista Late oferece cursos com instrutores especializados em jornalismo sonoro. O que é gerado com a renda das mensalidades é usado para pagar os instrutores e o restante é investido na produção de projetos jornalísticos, inclusive podcasts, explicou Wizenberg, que é cofundador da organização.

Um dos podcasts produzidos sob esse modelo foi “Dónde Está Paula?”, um podcast de true crime sobre o desaparecimento de uma mulher grávida de San Lorenzo, Argentina. Sua produtora e narradora, Flavia Campeis, que também fez parte da mesa de debate, está à frente das oficinas de podcast da Revista Late.

"Você vai dizer 'está financiando um trabalho com outro trabalho', mas tudo o que gerou a possibilidade de dar aquele workshop, que no primeiro ano foi [como instrutor o criador de podcasts em espanhol] Jorge Carrión, entre muitas referências de podcast de língua espanhola, também permitiu que o '¿Dónde Está Paula?' fosse conhecido em outros lugares e que outros recursos chegassem ou nós soubéssemos onde solicitar [recursos] com um projeto dessas características”, disse Campeis.

A jornalista argentina, que apresentou uma adaptação de seu podcast ao vivo no festival, anunciou que uma segunda edição da oficina de podcast será realizada entre julho e setembro deste ano, desta vez em parceria com Le Monde Diplomatique Edición Cono Sur e a emissora de rádio digital argentina Futurock, para financiar a segunda temporada de “Donde está Paula”.

Antes de gerar receita, atenda ao público

O verdadeiro lucro de um podcast não é a receita econômica, mas a possibilidade de formar um público fiel e comprometido, que se identifica com o conteúdo do podcast e o considera útil.

Essa foi uma das conclusões da mesa de discussão "Modelos de negócios e desenvolvimento de conteúdo" do festival Estación Podcast, moderada por Toni Garrido, CEO da plataforma de entretenimento de áudio Sonora, da Espanha.

Diego Barrazas, fundador e CEO do "Dementes", um podcast conversacional do México com entrevistas com personalidades de diferentes setores, e que fez parte da mesa de discussão, disse que antes de tentar encontrar a fórmula para gerar dinheiro com um podcast, os criadores devem primeiro definir os motivos pelos quais querem fazer aquele podcast e com isso buscar atrair o público adequado.

Alessia Di GIacomo,

Diego Barrazas (ao centro) e Olallo Rubio (à direita) falaram sobre a sua experiência como criadores de podcasts no México durante o painel de discussão "Modelos de negócio e desenvolvimento de conteúdos". (Foto: Captura de tela do YouTube)

Uma vez que você tenha acesso a um público, disse ele, existem várias formas externas de gerar renda, como organizar eventos ou ministrar cursos.

“Acho que o que você deve focar quando está fazendo um podcast não é apenas 'como posso ganhar dinheiro com o podcast', mas aprender todas as ferramentas disponíveis com as quais podemos gerar renda”, explicou. “Se eu vendo seguro, então faço meu podcast sobre seguro saúde e tenho um público específico que está procurando por isso e, pronto, nunca ganhei um centavo vendendo um anúncio programático, mas sim com menções ou com clientes que vêm fazer negócios comigo ”.

Embora as principais plataformas de distribuição de áudio digital, como SpotifyApple Music, ofereçam alternativas para os podcasters monetizarem seus conteúdos, que vão desde assinaturas e doações até publicidade, elas não funcionam sem uma forte comunidade de ouvintes, segundo Barrazas.

Os produtores de podcast precisam ser pacientes e conscientes de que o caminho para a construção da comunidade e, portanto, a monetização, leva tempo, acrescentou.

“O que eu recomendaria seria colocar na cabeça que nos primeiros dois anos o dinheiro não vai entrar por meio de publicidade. [...] Mas você pode começar a construir um público muito fiel que precisa de você, independentemente do tamanho”, disse Barrazas. “Cinquenta pessoas ouvindo você todos os meses é como uma sala de aula com 50 pessoas dispostas a ouvi-lo, e você pode monetizar isso de muitas outras maneiras à medida que cresce para poder realmente capitalizar em plataformas maiores.”

Os criadores também devem definir claramente qual público desejam atingir para focar seus esforços e desenvolver um modelo de negócios relacionado a ele, disse. Mesmo que o número de ouvintes não seja muito grande, se o podcast for pensado para suprir uma necessidade daquele nicho, as chances de monetização aumentam.

"Não preciso ter um podcast com um milhão de visualizações de jovens de 16 anos se o que eu vendo ou o que quero dar é para adultos de 35 anos que podem solicitar uma hipoteca", disse ele. “Então você tem que definir qual jogo você quer jogar e ser claro sobre isso, e dizer 'de quantas pessoas eu realmente preciso' ou 'que tipo de pessoas eu preciso que escute isso para que faça sentido econômico'.”

Um exemplo do valor de um público fiel na indústria de conteúdo de áudio é a Convoy Network, plataforma independente de podcast em espanhol fundada pelo radialista mexicano Olallo Rubio, que também esteve presente na mesa de discussão.

Rubio contou que chegou ao formato de podcast com uma vantagem inicial, porque quando produziu seu primeiro podcast, "El Podcast de Olallo Rubio", em 2005, ele conseguiu capitalizar o público que havia construído desde os anos 90 como radialista comercial no México. Apoiado por essa comunidade de ouvintes, conseguiu patrocinadores que lhe permitiram realizar o seu projeto numa época em que não havia indústria de podcasts.

Essa mesma audiência permitiu a Rubio lançar em 2016 a Convoy Network, que atualmente conta com mais de 120 títulos de conteúdo original e que se financia por meio de um programa de assinatura mensal de renovação automática, no estilo das plataformas de vídeo online streaming.

“Esse é o modelo de negócio que temos desde março de 2016 até hoje. Felizmente se mostrou, não extremamente bem-sucedido, mas funcional”, disse Rubio. “Tem sido difícil convencer as pessoas a pagar por algo que historicamente é gratuito. O rádio sempre foi gratuito, ou pelo menos é o que pensa o ouvinte. Na verdade eles estão pagando um preço, o público acaba sendo o produto que a mídia acaba vendendo para os patrocinadores”.

Propriedade intelectual no centro do negócio

Um dos principais ativos que os criadores de podcast devem proteger é a propriedade intelectual de suas produções, pois isso pode levar a novas fontes de renda que podem significar a sobrevivência do projeto.

A propriedade intelectual torna-se uma questão particularmente relevante quando os criadores fecham acordos com plataformas de distribuição, de acordo com Paulina Herrera, cofundadora e diretora executiva da produtora de podcasts Dudas Media, no México. Herrera participou de outro painel de discussão, intitulado "A consolidação da produção de podcasts".

Screenshot of the landing page of the podcast "10 Mujeres", from Mexican podcast production company Dudas Media.

A empresa mexicana Dudas Media lançou este ano o seu primeiro podcast narrativo de não-ficção, "10 Mujeres", sobre vítimas de feminicídio, disse a co-fundadora Paulina Herrera. (Foto: Captura de tela do diezmujeres.com)

"Cem por cento, para mim, a propriedade intelectual está no centro de nossos negócios. Esse é o núcleo do modelo de negócios que temos hoje, porque nos permite diversificar para outros produtos, nos permite fazer adaptações, nos permite entrar na televisão", disse ele.

"Se Regalan Dudas", o podcast de conversação que se tornou a principal produção da Dudas Media, foi distribuído exclusivamente no Spotify por duas temporadas. E embora a produtora tenha firmado esse e outros acordos de distribuição e exclusividade com plataformas de áudio, Herrera deixou claro que nunca concordou em ceder a propriedade intelectual de nenhum dos cinco podcasts que produz atualmente.

"Vimos uma maneira de colaborar e trabalhar com elas [as plataformas] de alguma forma também. Fizemos outros tipos de acordos", disse ela. “Isso nos deu muito conhecimento, vimos como funcionava também, mas até agora temos tido o privilégio de poder reinvestir muito do que geramos em lucros em novos projetos.”

Cuidar da propriedade intelectual de um podcast implica envolver-se em questões contratuais que geralmente estão fora da área de especialização de jornalistas e criadores. Por esse motivo, Herrera recomendou que se obtivesse aconselhamento jurídico ao receber ofertas de empresas maiores para comprar, licenciar ou encomendar podcasts.

"É sempre importante ter uma equipe jurídica para aconselhá-lo e dar-lhe uma visão das implicações de longo prazo disso", disse ele. “E não se trata de qualquer advogado, mas de advogados de propriedade intelectual e de entretenimento que são muito especializados nisso.”

Herrera disse que a negociação para a produção do primeiro podcast narrativo de não ficção da Dudas Media, "10 Mujeres", que foi lançado este ano e conta a história de 10 mulheres que foram vítimas de feminicídio no México, levou dois anos. O projeto também inclui apoio jurídico e psicológico, bem como uma plataforma de recursos de informação que busca responder a perguntas sobre esse crime.

Artigos Recentes