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Projetos de educação midiática e combate a notícias falsas no Brasil formam aliados fora do jornalismo

Projetos brasileiros de alfabetização midiática e de combate à desinformação decidiram sair das redações e buscar aliados fora da bolha jornalística, com cursos para influenciadores digitais, professores e estudantes, funcionários do poder Judiciário e empresas dos mais variados setores, de bancos a planos de saúde.

Muitos desses projetos, que surgiram nos últimos anos, partem do princípio de que é urgente trazer outros atores para esse debate. São propostas que complementam o trabalho de desmascarar as notícias falsas, comumente feito pelo fact-checking, e atuam na formação de quem consome, dissemina ou produz conteúdo.

Assim surgiu o Redes Cordiais em meados de 2018, um projeto de educação midiática voltada para influenciadores digitais. A ideia nasceu de uma conversa entre os três fundadores, os jornalistas Alana Rizzo, Clara Becker e Guilherme Amado. Eles estavam, nas palavras de Rizzo, "angustiados com a escalada de desinformação e ódio no período pré-eleitoral", e começaram a pensar no que poderiam fazer, como jornalistas.

"A gente via muito projeto que falava para os mesmos stakeholders tradicionais, como ocorre um pouco com o fact-checking. Queríamos trazer gente de fora dessa bolha", disse Rizzo ao Centro Knight.

A jornalista Alana Rizzo / Foto: Arquivo pessoal

A jornalista Alana Rizzo / Foto: Arquivo pessoal

Segundo ela, muitos influenciadores digitais são capazes de se comunicar com diversos nichos."Eles formam o grupo com o maior poder de alcance e impacto atualmente. São nativos digitais e entendem esse ambiente como ninguém, mas estavam de fora dessa luta contra o discurso de ódio e a desinformação", conta.

Desde a sua criação, o Redes Cordiais fez workshops em cinco cidades e capacitou 136 influenciadores, que juntos têm mais de 66 milhões de seguidores. Alguns deles são celebridades como Paolla Oliveira e Fernanda Lima, ou políticos como o deputado federal Alessandro Molon, mas os perfis são variados. "Tentamos trazer influenciadores de redes muito plurais, do TikTok ao Twitter, e que falem com grupos diferentes. Levamos pessoas da direita, esquerda, blogueira de moda, de maternidade, de literatura, de feminismo. Não evitamos nenhum tema ou pessoa polêmica", afirma.

Para o Redes Cordiais, a definição de influenciador não se limita ao número de seguidores. O projeto também quer atingir pessoas fora do radar da mídia, como aquele amigo ou parente que tem dezenas de grupos no WhatsApp, por exemplo. "O que importa é essa legitimidade que seus pares te dão. As pesquisas mostram que essas ondas [de desinformação] se propagam muito de uma pessoa para outra", diz.

Nos workshops, que duram cerca de 6h, especialistas dão oficinas sobre como checar informações, como lidar com haters e trolls, sobre temas jurídicos, algoritmos, liberdades e responsabilidades, além de introdução à comunicação não-violenta.

Os workshops incluem dinâmicas de grupo, em que os participantes trocam experiências. Segundo Rizzo, o encontro presencial ajuda a resgatar o diálogo e distensionar. "Funciona como um antídoto para o virtual. Ao vivo é mais difícil atacar alguém do que protegido pelas redes".

Grande parte da formação é de jornalismo para não-jornalistas. Os especialistas explicam como surge uma notícia e como ela é apurada, qual a diferença entre um artigo de opinião e uma reportagem, etc. "São coisas muito óbvias para nós, mas tem gente que vive na Internet 24 horas por dia e não sabe. A imprensa cobra transparência, mas não sabe ser transparente. É nosso papel mostrar o processo de produção da notícia", afirma.

Com isso, Rizzo espera que os influenciadores possam encampar a defesa da imprensa. "O jornalismo precisa de uma rede de apoio para sobreviver", diz. Ao mesmo tempo, o Redes Cordiais quer conscientizar os influenciadores de que eles são responsáveis pelo que repassam. "As redes permitiram que todos sejam comunicadores, mas é preciso um mínimo de leitura crítica e filtro. É preciso saber lidar com a avalanche de informações e como se comportar."

Segundo Rizzo, a polarização, o discurso de ódio e a desinformação se retroalimentam. Por isso, um importante eixo do projeto é a comunicação não-violenta, algo que, para ela, também está ligado ao bom jornalismo. "É a arte de ouvir o outro, buscar o contraditório. A sociedade tem perdido essa capacidade de escuta. O conflito precisa ser de ideias, não de pessoas".

O projeto obteve financiamento do Instituto Betty e Jacob Lafer para realizar os workshops em 2019, mas, por enquanto, os fundadores trabalham de forma voluntária. Para 2020, o Redes Cordiais busca novos financiamentos para levar as oficinas a mais cidades, de olho nas eleições municipais.

Iniciativa treina funcionários do Judiciário para eleições

Outro projeto brasileiro de educação midiática que vem se preparando para as eleições é o LupaEducação, braço da Agência Lupa, especializada em fact-checking. Como parte do projeto Democracia Digital Eleições 2020, o LupaEducação tem treinado, desde agosto de 2019, servidores dos 27 TREs (tribunais regionais eleitorais) do país – um público estratégico na luta contra desinformação em massa.

Palestra do projeto Democracia Digital em Rondônia / Foto: Divulgação

Palestra do projeto Democracia Digital em Rondônia / Foto: Divulgação

"O projeto organiza uma palestra para 60 a 80 pessoas, incluindo juízes, desembargadores e profissionais de cartórios, bem como uma oficina de checagem para 15 funcionários, selecionados por cada TRE", explicou o diretor de Marketing e Educação da Lupa, Douglas Silveira, ao Centro Knight.

Cada oficina treina ainda 15 jornalistas locais, que vão ajudar a interiorizar o trabalho da Lupa com checagens sobre as eleições municipais. O projeto é uma parceria com o Instituto Tecnologia e Equidade e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), com financiamento do Instituto Betty & Jacob Lafer e do WhatsApp. Os TREs e a Ordem dos Advogados do Brasil participam como apoiadores.

Em outra frente, o LupaEducação tem sido contratado por empresas dos mais variados setores para treinar equipes internas. Até agora, foram 885 funcionários em clientes como Uber, Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), Bank of America, BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), UnitedHealth Group (controlador do plano de saúde Amil), entre outros.

Oficina de fact-checking do Democracia Digital em MG /Foto: Divulgação

Oficina de fact-checking do Democracia Digital em MG /Foto: Divulgação

Silveira explica que, quando o LupaEducação foi lançado, em 2017, o objetivo era ensinar técnicas de fact-checking para jornalistas e estudantes de jornalismo. Aos poucos, no entanto, eles perceberam uma demanda de profissionais de outras áreas. "Recebíamos inscrições de médicos, por exemplo, porque há muita desinformação circulando na área da saúde e isso afeta o trabalho deles", afirma.

Ao mesmo tempo, empresas começaram a pedir treinamentos específicos. "Na Rede Globo, fizemos três oficinas, para subsidiar o trabalho de pesquisa dos roteiristas. Na Amil, para evitar que os canais de comunicação divulgassem conteúdo falso. E, no Senac, a marca deles estava sendo usada para golpes e ofertas de cursos falsos, então eles queriam se antecipar e combater esse tipo de desinformação", conta Silveira.

O LupaEducação já capacitou cerca de 5 mil pessoas, incluindo cursos online e presenciais, e corresponde hoje à segunda maior fonte de receita da Lupa.

Projeto foca em professores da educação básica 

A iniciativa mais recente de educação midiática, o EducaMídia, foi lançada em junho de 2019. O projeto forma professores da educação básica, para que eles ensinem às crianças e aos adolescentes as habilidades necessárias para "acessar, analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático", segundo o site do projeto.

Formação de educadores em SP / Foto: Palavra Aberta

Formação de educadores em SP / Foto: Palavra Aberta

Nesse curto período de funcionamento, o EducaMídia treinou 2.500 educadores em formações presenciais, que podem durar de um a três dias, em escolas públicas e particulares. Já nos cursos online, foram 5.600 matriculados – todas as capacitações são gratuitas.

O programa é parte do Instituto Palavra Aberta, que atua em defesa da liberdade de imprensa e de expressão. A equipe do EducaMídia é a mesma do instituto, com sete funcionários, dentre os quais três são jornalistas. O projeto recebeu um investimento de R$ 4 milhões do Google.org, braço de filantropia do Google, a ser usado em dois anos.

O EducaMídia também está envolvido no Inova Educação, um programa do governo do estado de São Paulo que traz mudanças no currículo escolar, impactando 2 milhões de estudantes. Dentro da nova grade, o EducaMídia ajudou a elaborar o conteúdo relacionado à tecnologia e desenvolveu uma eletiva sobre educação midiática, chamada de "Muito Além das 'Fake News’". A nova disciplina, optativa, começa a ser oferecida neste ano.

Assim como Rizzo, do Redes Cordiais, a presidente do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, acredita que a educação midiática é fundamental para diminuir a polarização, que ela considera "um risco para a democracia".

"Um dos efeitos nefastos da digitalização da comunicação é a formação de bolhas informacionais, que contribuem para a radicalização. Muitos usuários das redes não compreendem como funcionam os algoritmos, por exemplo. Quando falamos de educação midiática, é também disso se trata, do entendimento desses mecanismos e seus impactos na vida pessoal e coletiva", afirmou Blanco, ao Centro Knight.

Material do EducaMídia / Foto: Instituto Palavra Aberta

Material do EducaMídia / Foto: Instituto Palavra Aberta

Ela também defende que a educação midiática ajuda a valorizar o jornalismo e a garantir um público consumidor de notícias no futuro. "No mundo inteiro, o fenômeno da desinformação vem acompanhado da descrença no jornalismo profissional. Além da crise do setor, vivemos hoje uma crise de credibilidade e legitimidade no jornalismo brasileiro", diz. Para Blanco, é preciso ajudar os cidadãos a construírem uma visão crítica do jornalismo, para que possam "questionar sempre, mas não pedir o fim da imprensa".

"Se não mostrarmos para as próximas gerações a importância do trabalho jornalístico e como ele ajuda a sustentar os regimes democráticos, é possível que não tenhamos mais tantos leitores, ouvintes e telespectadores no futuro", alerta.

Para ajudar a criar uma ponte entre as redações e as salas de aula, o EducaMídia mantém parcerias com dois grandes jornais, O Estado de S. Paulo e a Folha de S.Paulo. Com o primeiro, desenvolveram um site, o Estadão na Escola, com material didático voltado para professores, baseados em reportagens publicadas pelo jornal. Há vídeos e textos jornalísticos, alguns comentados pelos próprios repórteres, que mostram como as matérias são feitas e sugerem atividades e debates. Já o projeto com a Folha é uma coluna semanal sobre educação midiática, divulgada na newsletter Folha na Sala, criada para os professores.

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