Em 2022, a LatAm Journalism Review (LJR) publicou mais de 250 reportagens, artigos e entrevistas sobre liberdade de imprensa e inovação no jornalismo na América Latina e no Caribe. Temas como o uso de inteligência artificial no jornalismo, a criação de redes colaborativas entre meios e profissionais, a importância da diversidade na equipe e no conteúdo, assim como o aumento da violência online e física contra jornalistas, entre muitos outros, estiveram no nosso radar.
Para nossa tradicional retrospectiva de fim de ano, que destaca as histórias mais importantes dos últimos 12 meses, decidimos consultar a equipe que faz a LJR. Nossos repórteres selecionaram uma reportagem própria e uma produzida por um colega em 2022 que consideraram mais marcantes. Além disso, também destacamos reportagens que figuraram entre as mais lidas do site e que tratam de questões relevantes para o jornalismo e a liberdade de imprensa na região.
Carolina de Assis: A reportagem que produzi este ano que mais me marcou foi “Ausência do Estado potencializa riscos para jornalistas em região amazônica onde repórter britânico Dom Phillips foi assassinado”. Os assassinatos de Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira em junho, na região amazônica onde se encontram as fronteiras entre Brasil, Peru e Colômbia chocaram o país e o mundo. Também acenderam um alerta para jornalistas que cobrem a Amazônia. A tragédia evidenciou como o crime organizado tem diversificado suas atividades ilegais na floresta ao mesmo tempo em que forças estatais negligenciam a área, que se tornou um campo minado para jornalistas.
Já a reportagem “México encerra 2022 com quase vinte jornalistas assassinados, enquanto colegas e organizações pedem justiça e o fim da impunidade”, que meu colega César López Linares escreveu em parceria com a estudante de jornalismo da Universidade do Texas em Austin Emily Engelbart, mostra como se desdobrou a violência contra jornalistas no México neste ano. Há anos o país permanece no topo de rankings mundiais como um dos mais letais para jornalistas, e a violência se exacerba pela impunidade generalizada: menos de 1% dos crimes contra os profissionais no México são solucionados. A frase da reportagem de López Linares e Engelbart que não consigo esquecer foi dita pelo jornalista mexicano Javier Garza: “Qualquer pessoa que queira matar um jornalista [no México] pode estar razoavelmente seguro de que conseguirá escapar, porque a última pessoa escapou”.
César López Linares: Em termos de inovação, a reportagem "Podcast documental e narrativo oferece grandes oportunidades para jornalismo investigativo, dizem especialistas" me fez descobrir as enormes possibilidades representadas pelo formato de podcast narrativo-documentário, que não tem sido tão explorado nos meios informativos da América Latina. No entanto, embora sejam poucos, este ano houve excelentes exemplos de investigações jornalísticas que foram transformadas em podcast com roteiros atraentes e design de som fascinante. É o caso de "Praia dos Ossos", da revista piauí (Brasil) e "No Fue el Fuego", da Agencia Ocote (Guatemala). Ambos são exemplos de podcasts narrativos atraentes no gênero true crime que abordam casos que foram notícia quando ocorreram e os contam a partir de novas perspectivas e com diferentes ritmos.
No artigo de nossa seção 5 perguntas dedicado ao jornalista e ciberativista venezuelano Luis Carlos Díaz, escrito por Katherine Pennacchio, encontrei a enorme capacidade das redes sociais na defesa da liberdade de expressão e contra a repressão de vozes críticas. Tive a oportunidade de encontrar Díaz em um evento posterior ao artigo e confirmei que seu caso é o de um corajoso jornalista que conseguiu equilibrar sua profissão com o ativismo e encontrou formas inovadoras de continuar denunciando o poder em seu país.
Júlio Lubianco: A reportagem "Cooperativas de jornalistas no Brasil: autogestão da sobrevivência" me permitiu conhecer um modelo alternativo e funcional de trabalho para jornalistas, mais livre e que pressupõe o compartilhamento do controle editorial. O artigo conta a história de duas cooperativas, a Tribuna Independente e o Portal Desacato, que completaram 15 anos em 2022. Os veículos empregam mais de 200 profissionais ao todo, apesar da limitação financeira. Diante de um mercado de trabalho tradicional extramente difícil, saber da existência, perseverança e sucesso de modelos alternativos serve de inspiração e motivação para outros colegas.
Já a entrevista com o jornalista peruano Gustavo Gorriti, feita pela minha colega Paola Nalvarte em fevereiro, chama a atenção para a atuação da "imprensa concentrada" contra o então presidente Pedro Castillo. À luz da recente deposição e prisão de Castillo após sua tentativa de fechar o Congresso peruano, vale a releitura da entrevista publicada na seção 5 Perguntas.
Katherine Pennacchio: Uma das minhas reportagens favoritas deste ano foi a intitulada "Jornalismo latino-americano recorre à arte para que histórias com dados causem maior impacto na audiência". Foi interessante para mim conhecer como os meios de comunicação e os jornalistas da região estão procurando maneiras criativas de se comunicar e se conectar com seu público sem perder a base rigorosa e investigativa que caracteriza o jornalismo. Vale a pena dar uma olhada nas diferentes abordagens artísticas para contar histórias, tais como peças de teatro, exposições, fanzines (publicações temáticas), criação de peças visuais, projetos imersivos, etc.
Quanto ao trabalho de meus colegas, há vários na minha lista, mas eu destacaria as entrevistas na seção 5 perguntas. Especialmente a entrevista com a jornalista mexicana Laura Castellanos, conduzida por Carolina de Assis. Eu não estava familiarizada com o trabalho de Castellanos e fiquei impressionada com sua abordagem do jornalismo desde um ponto de vista feminista.
O Uruguai sempre foi referência em termos de liberdade de expressão. Não há registro de jornalistas mortos, sequestrados ou perseguidos, ao contrário do que acontece em outros países latino-americanos. No entanto, o oitavo relatório de monitoramento realizado pelo Centro de Arquivos e Acesso à Informação Pública (Cainfo), divulgado em maio, registrou 69 ameaças e restrições à liberdade de expressão de jornalistas entre abril de 2021 e março de 2022 no país. Isso significa um aumento de 40% em relação ao ano anterior e um aumento no número de casos pelo terceiro ano consecutivo.
As big techs se mostraram mais unidas do que nunca contra um projeto de lei no Brasil que regula as plataformas para combater as fake news. A proposta prevê a remuneração de organizações jornalísticas, mas os jornalistas brasileiros estão longe de um consenso. Entidades de classe que representam profissionais e veículos digitais independentes querem a supressão do artigo que obriga as plataformas a pagarem pelo conteúdo jornalístico. Uma das principais preocupações é que a legislação, caso aprovada sem estabelecer critérios específicos de remuneração, beneficie apenas os grandes veículos de comunicação.
A prisão de José Rubén Zamora, jornalista, fundador e presidente do jornal elPeriódico de Guatemala, no fim de julho, chamou a atenção internacional para a degradação da liberdade de imprensa e do direito à informação no país. Jornalistas ouvidos pela LJR afirmaram que a prisão de um dos nomes mais conhecidos do jornalismo guatemalteco é um grave desdobramento da escalada de ataques contra a imprensa crítica ao governo do presidente Alejandro Giammattei.
O jornalista peruano-americano Daniel Alarcón, cofundador do podcast Radio Ambulante, foi um dos ganhadores em 2022 do Prêmio Maria Moors Cabot, um dos mais prestigiosos reconhecimentos a jornalistas nas Américas. Alarcón conversou com a LJR sobre o significado desse prêmio, o sucesso da Radio Ambulante, conselhos para jornalistas mais jovens e seus projetos pessoais e familiares.
Em abril, completaram-se quatro anos do início da revolta social que serviu de pretexto para a imposição de um governo autoritário na Nicarágua, liderado pelo presidente Daniel Ortega. Desde 2018, mais de 120 jornalistas foram para o exílio, pelo menos 20 meios de comunicação foram confiscados, não há jornais impressos circulando no país e seis jornalistas receberam penas de 7 a 13 anos de prisão, com multas milionárias. No entanto, a imprensa independente da Nicarágua continua lutando por sua liberdade, dentro e fora do país.
“O futuro do jornalismo é imersivo, interativo e tridimensional”, disse Ray Soto, diretor sênior de tecnologia emergente da Gannett, no 23º Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ), realizado nos dias 1 e 2 de abril em Austin, Texas. Os membros do painel “Hype ou não, como e quando a web 3.0 (blockchain/NFTs) e o metaverso (AR/VR/XR) impactarão o jornalismo?” discutiram as oportunidades que o avanço de tais tecnologias trará e como esses desenvolvimentos afetarão os meios de comunicação. Eles convidaram o público a refletir sobre qual será a futura interface do conteúdo jornalístico, uma vez que as redes sociais e os smartphones sejam coisa do passado.