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Jornalistas de 15 países latino-americanos participam da primeira Academia para Pequenas Redações da JournalismAI em espanhol

Mais de 20 jornalistas de pequenas redações de 15 países latino-americanos buscarão aprender como a inteligência artificial pode ajudar seus meios de comunicação a otimizar processos, reduzir a carga de trabalho de suas equipes, envolver melhor o público e fortalecer sua sustentabilidade financeira, na primeira edição em espanhol da Academia  para Pequenas Redações da JournalismAI (JournalismAI Small Newsroom Academy, em inglês).

Pela primeira vez, a JournalismoAI – iniciativa da London School of Economics para o uso responsável da inteligência artificial nos meios de comunicação – organizou uma versão totalmente em espanhol da sua Academia  para Pequenas Redações, programa que realiza desde 2021 e que procura oferecer uma imersão profunda no potencial que a inteligência artificial tem para jornalistas e profissionais de mídia em redações com menos de 100 pessoas.

Embora a JournalismAI tenha iniciativas para regiões específicas do mundo, esta versão se destina apenas a participantes da América Latina. Para esta primeira edição foram escolhidos participantes da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Peru, Uruguai e Venezuela.

“Este sempre foi um dos objetivos da iniciativa JournalismAI: construir pontes de conhecimento em torno da tecnologia e da inteligência artificial em diferentes áreas do mundo, não se restringindo aos países ocidentais mais desenvolvidos. De modo que construir esse programa nos pareceu um passo seguinte natural", disse Sabrina Argoub, gerente de programa da JournalismAI à LatAm Journalism Review (LJR). "Os programas e grupos que tivemos [antes] foram simplesmente divididos, principalmente por razões de fuso horário. Mas este ano queríamos experimentar e tentar ir para uma região mais definida e mais focada numa língua e cultura semelhantes".

O programa, que começou no dia 18 de janeiro, terá duração de oito semanas e terá como  jornalistas renomados da região como professores.

Alguns dos jornalistas que participarão da academia afirmaram que buscarão aproveitar o programa para promover projetos específicos de inteligência artificial em suas redações, enquanto outros afirmaram que desejam obter competências para aplicar esta tecnologia em aspectos operacionais de seus meios de comunicação, como os processos de reportagem, a divulgação dos seus conteúdos e o fortalecimento das suas estratégias de sustentabilidade.

Gianfranco Huamán, jornalista de dados do veículo de jornalismo investigativo nativo digital Ojo Público, do Peru, disse que entre as ideias que tem em mente está a aplicação de inteligência artificial generativa para ajudar sua equipe de audiência a gerar conteúdo para redes sociais.

“Embora pareça simples gerar tuítes ou cópias para o Facebook ou o Instagram, [a equipe de audiência] nos disse que demora muito para fazer isso, devido à quantidade de notícias que estão saindo, então o que temos pensado é justamente em usar a inteligência artificial para acelerar esse processo”, disse Huamán à LJR. “Esse é um dos objetivos que queremos alcançar este ano, e a academia obviamente vai nos dar luz sobre como fazer, caso haja outros colegas que já o tenham feito”.

O Ojo Público tem uma vasta experiência na utilização de técnicas inovadoras para melhorar os seus processos editoriais e investigações. Em 2019, o veículo desenvolveu o Funes, um algoritmo de análise de documentos concebido para detectar indicadores de risco e possíveis vestígios de corrupção em contratos públicos. Da mesma forma, em 2023 apresentaram o Quispe Chequea, ferramenta que utiliza recursos de inteligência artificial para produzir conteúdos de verificação em diversos formatos e em três línguas indígenas.

Além disso, o Ojo Público foi um dos 40 meios de comunicação que participaram do megaprojeto colaborativo transfronteiriço NarcoFiles, liderado pelo OCCRP (Projeto de Pesquisa sobre Crime Organizado e Corrupção) e pelo CLIP (Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo). Para sua parte na investigação – uma reportagem sobre a gangue criminosa venezuelana Tren de Aragua –, o veículo peruano mapeou os membros da referida organização criminosa que foram capturados no Peru nos últimos três anos. Para fazer isso, eles usaram inteligência artificial.

Eles usaram a API (Application Programming Interface) da OpenAI, organização que criou o ChatGPT, que lhes deu acesso ao motor do popular aplicativo. Com isso e um código Python, eles conseguiram analisar centenas de textos jornalísticos e extrair os dados que precisavam com mais rapidez.

“Fizemos com que o ChatGPT lesse as notícias e estruturasse os dados. O resultado foi que ele nos deu uma tabela que, embora não fosse 100 por cento perfeita, pois precisava ser limpa, em termos gerais gerou resultados muito bons”, disse Huamán. “Foi uma combinação  scrapping tradicional com a análise do motor de linguagem ChatGPT, o que antes penso que não teria sido possível, ou normalmente demoraria muito”.

O jornalista espera continuar utilizando a tecnologia do ChatGPT para otimizar a criação de conteúdo para redes sociais. Porém, para o meio é importante que seus textos no Facebook, Instagram e X não sejam apenas factual e gramaticalmente corretos, mas sigam o estilo do Ojo Público. E isso não é possível  com a versão aberta do ChatGPT.

“Pelo menos na hora da prototipagem, estávamos pensando em fazer um pequeno fine-tuning, que é uma técnica em que você continua treinando o modelo. É como um pequeno ajuste, você alimenta com seus próprios dados para que o resultado do que você procura seja melhor”, explicou Huamán. “Esse é um dos métodos que pretendemos usar, mas obviamente queremos ver se [na Academia] existem outros tipos de abordagens ou projetos semelhantes em que tenham tentado resolver este problema”.

Outro meio que acumula experiência significativa no uso de inteligência artificial para fins jornalísticos é o Cuestión Pública, da Colômbia, que será representado na Academia para Pequenas Redações por Andrea Rincón, editora e jornalista investigativa.

Rincón disse que o veículo começou a experimentar com a inteligência artificial em tarefas como transcrição e geração de imagens para seus produtos gamificados, até o ano passado lançarem o Projeto Odin como parte de sua participação no Desafio de Jornalismo de Inteligência Artificial (AIJC) da Open Society Foundation. É uma ferramenta de inteligência artificial que permite automatizar informações das bases de dados que a Cuestión Pública gerou em investigações anteriores para produzir novos conteúdos de forma mais rápida e eficiente.

“Investigamos, por exemplo, mais da metade do Senado, investigamos as casas políticas da Colômbia e temos muitas informações. Então, toda vez que a situação é acionada com um personagem que já investigamos, Odin nos dá a informação que temos sobre esse personagem para que seja divulgada em tempo hábil”, disse Rincón à LJR.

O Projeto Odin (que leva o nome da sigla para Optimized Data Integration Network) ganhou menção especial no Splice Beta Journalism Festival em Chiang Mai, Tailândia, em novembro de 2023. Embora esteja em fase de testes na redação do Cuestión Pública, o veículo espera que a ferramenta o ajude a aproveitar ao máximo suas bases de dados.

Para Rincón, sua participação na Academia para Pequenas Redações estará focada na aquisição de conhecimentos e ferramentas para continuar criando aplicações que os ajudem a otimizar seus processos e capacitar sua equipe de 20 pessoas, a maioria jovens, para enfrentar os desafios enfrentados por pequenas redações, mídias independentes e com orçamento limitado.

Além disso, segundo a própria, ela tem interesse em adquirir competências para melhorar o impacto que as grandes investigações do meio têm sobre o público.

“Quando você faz pesquisas de dados, você tem produtos tão densos ou tão robustos que segmentá-los para públicos e fazê-los atingir um público cada vez mais amplo é um enorme desafio”, disse Rincón. “Acho que existem muitas ferramentas de inteligência artificial que podem facilitar esse caminho para ter mais impacto”.

Mijail Miranda, diretor editorial e gerente de produto da revista digital Muy Waso, da Bolívia, é outro dos selecionados para a Academia para Pequenas Redações em espanhol. Ele disse que também buscará saber como a inteligência artificial pode ajudar a reduzir a carga de trabalho de sua equipe, que é formada por seis pessoas. No entanto, o seu principal objetivo é adquirir competências para integrar esta tecnologia nos fluxos de trabalho da área administrativa do meio, especialmente no que diz respeito à sustentabilidade financeira.

“Tivemos um ano muito difícil em termos de carga horária, por isso queremos reduzir essa carga para evitar o burn-out e para permitir que nossa equipe fique mais tranquila e tenha mais tempo para trabalhos mais criativos, projetos de investigação”, disse Miranda à LJR. “O outro objetivo é acreditarmos que a inteligência artificial pode nos ajudar a otimizar alguns processos que têm a ver com os nossos públicos, em termos de doações e serviços de comunicação a terceiros que oferecemos para a nossa sustentabilidade”.

Segundo Miranda, a Muy Waso tem tido bons resultados na experimentação com inteligência artificial generativa na automação de tarefas como transcrição, redação de textos para redes sociais e preparação de notas não jornalísticas. No entanto, a sua tentativa em 2023 de lançar um chatbot para melhorar a experiência do utilizador no seu sistema de doações não foi totalmente satisfatória.

“No final não lançamos este chatbot porque os diferentes testes que fizemos não alcançaram os resultados que esperávamos”, disse. “E é a partir desta frustração que vimos nesta chamada uma boa oportunidade, para podermos experimentar, conhecer novas ferramentas, ver até onde podem ir as capacidades da inteligência artificial numa redação e quais os benefícios que poderíamos obter com isso”.

Em 2023,  a Muy Waso começou a trabalhar em um projeto de formação e educação para jornalistas e ativistas de diversas regiões do país sobre ferramentas e metodologias contra a desinformação e o discurso de ódio, antes das próximas eleições presidenciais na Bolívia, em 2025.

Miranda disse que recorrerá ao programa da JournalismAI para aprender estratégias baseadas em inteligência artificial para otimizar o programa de formação, que realizam em parceria com a DW Akademie.

“O projeto é como uma experiência imersiva e gamificada. Então acredito que a inteligência artificial pode nos ajudar muito a gerenciar a interação com as pessoas que participam desse programa de formação”, disse o jornalista. “Não só chatbots, muitas ferramentas de inteligência artificial permitem um grau de interação que pode nos ajudar a fortalecer esse olhar imersivo e gamificado que queremos dar ao projeto em geral”.

Um passo para reduzir a lacuna tecnológica

Embora esta seja a primeira Academia para Pequenas Redações em espanhol, não é a primeira vez que jornalistas da América Latina participam de iniciativas de formação da JournalismAI. Edições anteriores da academia e em outros programas,  como o Programa de bolsas de IA, tiveram presença latino-americana para o desenvolvimento de projetos de inteligência artificial.

No entanto, os participantes deste ano concordam que o fato de este programa ser oferecido inteiramente em espanhol e com instrutores da região é uma boa forma de contribuir para reduzir o fosso que existe entre os países de língua inglesa e o resto do mundo no desenvolvimento e uso de inteligência artificial.

“Existem muitas ferramentas que estão em outro idioma e muitos colegas não se atrevem a utilizá-las simplesmente porque não entendem ou porque todos os tutoriais são em inglês, e simplesmente desistem. E isso cria uma grande lacuna”, disse Miranda. “Nem todos os jornalistas na Bolívia ou na América Latina têm inglês médio ou avançado. E também é uma realidade que muitas instituições não têm a oportunidade de lançar programas em espanhol. Mas, quando o fazem, eu celebro, porque é um princípio de democratização e um modo de fechar um pouco esta lacuna.”

A JournalismAI reconhece que a aplicação da inteligência artificial tem uma componente cultural e, por isso, é importante proporcionar programas de formação que considerem a língua e a cultura dos jornalistas de diferentes regiões do mundo.

Argoub disse que para a edição em espanhol da Academia  para Pequenas Redações, o foco foi convocar instrutores da região para que os participantes possam ter exemplos práticos em espanhol e no contexto latino-americano.

“Quando conversamos com os nossos especialistas ou com os participantes em geral ao longo de todos os programas, eles muitas vezes enfatizam o reconhecimento de que a inteligência artificial também é um fenômeno cultural e que deve ser implementada  inserindo-se dentro da cultura”, disse. “A forma como esta indústria é diferente na América Latina em comparação com a Europa ou os Estados Unidos influencia a forma como você escolhe que tipo de ferramentas são usadas para implementá-la”.

A barreira do idioma não fica evidente apenas no aprendizado sobre ferramentas de inteligência artificial, mas também na sua programação. Até o surgimento de ferramentas generativas de inteligência artificial como ChatGPT ou Bard, que funcionam em múltiplos idiomas, a maioria das aplicações eram treinadas com informações em inglês e com contextos de países de língua inglesa.

“O idioma tem sido uma das grandes barreiras à extensão das ferramentas de inteligência artificial na região. E a América Latina tem desafios muito particulares que não podemos [abordar com inteligência artificial] se tivermos ferramentas em inglês, se não tivermos o contexto”, disse Rincón. 

“Quando você desenvolve certos projetos, certos produtos, certas linguagens que você tem que treinar com o seu estilo, com o seu tom, com a sua [linha] editorial, isso muda muito de uma linguagem para outra. Acho que isso também é fundamental para acabar com esse preconceito, algo que também é muito importante em termos éticos”, acrescentou.

Traduzido por André Duchiade
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