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Novo Circuito Ibero-Americano de Festivais de Podcast busca impulsionar jornalismo sonoro e legitimar podcasting como indústria cultural

A primeira edição do Estéreo – Festival de Podcast, em Rosário, Argentina, foi lançada em menos de três meses e sem nenhuma experiência na produção de eventos desse tipo por parte de seus organizadores. Embora o festival, realizado em novembro de 2022, tenha sido um sucesso, os diretores do evento, Martín Parodi e Federico Rusconi, pensaram em como seria bom ter uma rede de apoio na qual os diferentes festivais de podcast da região colaborassem entre si para unir forças e promover o formato.

O prêmio concedido um mês antes no Festival Gabo ao podcast "La Segunda Muerte del Dios Punk", do jornalista argentino Nicolás Maggi e produzido pela Erre Podcast, a produtora dirigida por Parodi e Rusconi, foi outro impulso importante para unir outros entusiastas de podcasts na América Latina e tentar colocar o formato em um lugar relevante na cultura dos países de língua espanhola.

Daí surgiu a ideia de criar o Circuito Ibero-Americano de Festivais de Podcast (CIFESPOD). Menos de seis meses depois, esse circuito foi formalmente constituído pelo Estéreo e outros seis festivais: Podcast Fest LatAm, do Chile; Al OídoPodcastinación, da Colômbia; Sonora, do Uruguai; e ProsodiaEstación Podcast, da Espanha.

Poster of the Ibero-American Circuit of Podcast Festivals and the festivals that make part of it.

Festivais de podcast de Argentina, Chile, Colômbia, Espanha e Uruguai integram o Circuito Ibero-Americano de Festivais de Podcast. (Foto: Cortesia CIFESPOD)

 

 

"O podcasting ainda não é visto como um setor cultural legítimo. Parece-me que em outros países ele está mais consolidado, como nos Estados Unidos ou em alguns lugares da Europa também, mas acreditamos que na América Latina ele ainda está procurando seu lugar. Precisamos ser reconhecidos como tal, como uma indústria que tem suas próprias regras, seus próprios estilos, seus próprios gêneros, seus próprios sistemas de produção", disse Parodi, diretor-geral da Estéreo, à LatAm Journalism Review (LJR). “Nessa busca por reconhecimento, parece que a união nos torna mais fortes.”

Embora o CIFESPOD ainda esteja no processo de se organizar e se estabelecer legalmente como uma organização, já delineou alguns objetivos preliminares. Entre eles estão a promoção dos festivais membros, a organização de atividades conjuntas, a troca de experiências e informações, o estabelecimento de contato com entidades culturais de cada país e a busca de fundos e subsídios para a produção de podcasts.

Os membros do circuito sabem que, para atingir a maioria desses objetivos, é necessário o apoio de diferentes setores e instituições. E, para isso, é essencial que o podcast seja reconhecido como um setor cultural.

"Primeiro precisamos nos organizar muito entre nós, ter um cronograma super azeitado, para ver como podemos fazer intercâmbios", disse Parodi. "Temos muita clareza de que precisamos conversar com as secretarias culturais dos diferentes países, porque esse é o caminho a seguir. É necessário apoio institucional, e é por isso que precisamos ser reconhecidos como um setor cultural com sua própria identidade.”

A aliança de festivais também teria um impacto positivo na busca de apoio financeiro e subsídios para o setor de podcasts, de acordo com Juan Carlos Baquero, diretor da RTVCPlay, plataforma pública de streaming de meios públicos da Colômbia, que organiza o Festival Ibero-Americano de Podcasts Al Oído.

Para os possíveis financiadores, disse Baquero, o CIFESPOD oferecerá não apenas o público local de um festival, mas a soma de vários públicos em várias partes da Ibero-América.

"Sinto que é um ganho para todos. Acho que é uma maneira de ser mais forte, de garantir o crescimento e também de oferecer aos nossos usuários e seguidores uma oferta mais sólida, mais coerente e mais enriquecedora", disse Baquero à LJR.

A troca de ideias e reflexões entre criadores que acontece durante os festivais de podcast é uma experiência muito enriquecedora, de acordo com Ignacio Lara, diretor da Emisor Podcasting, a empresa de produção por trás do Podcast Fest Latam, do Chile.

Poster of the Estéreo Podcast Festival 2022, in Argentina.

A primeira edição de Estéreo - Festival de Podcast aconteceu em novembro de 2022. Menos de um ano depois, o evento deu forma ao CIFESPOD. (Foto: Cortesia Estéreo - Festival de Podcast)

Se esse mesmo intercâmbio ocorresse entre os festivais, disse ele, isso daria uma visão mais clara do rumo que o setor de áudio está tomando em diferentes países, de modo que ações concretas pudessem ser tomadas para fortalecer o podcasting em todos os estágios de produção.

"Nós [os festivais] estamos mais ou menos em uma luta muito parecida, que tem a ver com a instalação desse formato, dando a ele um nível melhor a cada dia, desde sua produção, sua exibição e, obviamente, também o ponto de comercialização, de como isso se torna um negócio lucrativo e atraente", disse Lara à LJR. "É porque gostamos desse formato e acreditamos nele, e nada melhor do que poder conversar, especialmente entre países, sobre como estamos produzindo e criando áudio em nossos diferentes territórios.”

Entre outras ações que os festivais membros da aliança pretendem realizar estão o compartilhamento de know-how sobre como produzir um festival de podcast do zero, a fim de estimular o surgimento de mais espaços desse tipo em outros países da região e, eventualmente, adicionar novos membros ao CIFESPOD. Eles também estão buscando consolidar um circuito no estilo dos circuitos de cinema, no qual podcasts de destaque de um país possam ser apresentados mais facilmente em festivais de outros países e, assim, aumentar seu impacto.

Mas a maior meta de médio prazo do CIFESPOD é estabelecer um prêmio ibero-americano, no estilo dos prêmios Ondas Globales del Podcast, da Espanha, mas com sede na América Latina. De acordo com Parodi, esse prêmio para os melhores na produção de podcasts procuraria destacar o jornalismo sonoro de não ficção da região.

"Poder ter uma versão desses prêmios na América Latina pode ser muito valioso, porque estaríamos jogando localmente. Poder ter um prêmio itinerante que muda de país a cada ano pode ser muito interessante", disse ele. "Parece-nos que essa é a etapa que faltava para terminar de nos consolidar [como um setor]. Nossa ideia é, obviamente, elevar o perfil do podcasting de não ficção, do podcasting jornalístico e documental, e achamos que isso deve ser como o Grande Prêmio".

Um impulso para o jornalismo sonoro

O festival Al Oído, da Colômbia, que surgiu em 2020 como um evento online, terá, pelo segundo ano consecutivo, uma parte presencial durante o Festival Gabo, de 30 de junho a 2 de julho de 2023. Essa aliança com o icônico festival da fundação de mesmo nome, que em sua edição de 2022 acrescentou o Áudio como uma categoria de seus prêmios para o melhor do jornalismo ibero-americano, está ajudando a dar visibilidade e fortalecer as produções de podcasts narrativos de não ficção.

"[O podcast] é uma tecnologia que, por suas características, facilitou formas de consumo que lhe deram um novo ar, que reabriram um espaço para um certo tipo de jornalismo. Estou me referindo ao jornalismo sofisticado, ao jornalismo 'artesanal', ao jornalismo literário, ao jornalismo investigativo, que estava ficando sem espaço em outras expressões sonoras", disse Baquero. "O fato de a Fundação Gabo endossar e abrir um espaço para esse formato é essencial".

O triunfo de "La Segunda Muerte del Dios Punk" com o primeiro Prêmio Gabo na categoria Áudio legitimou o podcast como um meio válido para a produção de jornalismo, na opinião de seus criadores. Mas também representou a abertura de muitas portas para jornalistas da América Latina que estão procurando espaços para divulgar o trabalho investigativo de longo prazo.

Screenshot of the live streaming of the Podcast Fest Latam festival 2023, in Chile.

Podcast Fest Latam, organizado por Emisor Podcasting, acontece anualmente no Chile desde 2020. (Foto: Captura de tela)

"Como resultado disso [do prêmio], há jornalistas que nos abordam de uma maneira diferente para dizer que gostariam de transformar em podcast uma investigação que fizeram, ou um artigo muito longo, ou um livro de jornalismo investigativo", disse Parodi. "Essa portabilidade que o podcasting dá ao jornalismo pode ser um canal muito interessante para levar investigações profundas, super complexas e importantes a outros públicos".

Nesse sentido, alianças como aquela entre o Festival Al Oído e o Festival Gabo, e os festivais que compõem o CIFESPOD, poderiam ajudar a aproximar os jornalistas do formato sonoro. Os festivais que integram o Circuito têm um componente de treinamento com o qual, por meio de oficinas, mesas redondas e aulas magistrais, buscam profissionalizar a criação de podcasts, especialmente podcasts narrativos e de não ficção.

"Conversamos com algumas pessoas muito importantes que fizeram jornalismo impresso e estão começando a se interessar por podcasting. Elas gostam, mas não entendem muito bem como funciona. [Nos festivais] elas começam a entender como é possível contar histórias com som, que é uma forma muito diferente das palavras, e pode chegar a lugares diferentes", disse Parodi.

O podcasting teve um crescimento notável na América Latina nos últimos anos. O tempo de escuta de podcasts em espanhol dobrou em 2022 em comparação com o ano anterior, de acordo com o último relatório do Observatório iVoox. No México, os ouvintes de podcast dobraram entre 2019 e 2022, de acordo com um relatório da PwC México, enquanto na Colômbia, a criação de podcast aumentou 47% em 2022, de acordo com o Spotify.

Com números como esses, o surgimento de festivais e eventos sobre podcasting na região pareceu uma etapa natural, como uma forma de aproveitar a tendência de crescimento, mas também de organizar e moldar a indústria nascente.

"Geralmente, quando há festivais, prêmios ou instituições por trás disso, a coisa boa que acontece é que começa a ser muito mais motivador trabalhar determinados formatos", disse Lara. "Acho que os festivais podem ajudar muito a instalar essas tendências e fazer com que mais pessoas se interessem pelo formato.”

Além de reunir criadores e membros do setor de conteúdo de áudio, os festivais que compõem o CIFESPOD também buscam oferecer um espaço de interação direta com os ouvintes, por meio de palestras, encontros de convivência e adaptações ao vivo de podcasts.

Para os criadores, essa interação é muito importante para fortalecer o senso de comunidade necessário para que um podcast se torne um projeto sustentável de longo prazo.

Poster of the Al Oído Podcast Festival 2023, in Colombia.

O festival Al Oído, da Colômbia, contará pelo segundo ano consecutivo com uma parte presencial durante o Festival Gabo, de 30 de junho a 2 de julho de 2023. (Foto: Cortesia Al Oído)

"Há comunidades muito cativas a quem lhes faz muito bem estar em relação com o conteúdo de que gostam e que fazem com que continuem ali, porque já fazem parte de algo. A comunicação 1.0 de se sentar e ouvir um podcast termina e começa a se transformar em um clube de amigos em que você não só está dando algo, que é o seu tempo ouvindo, mas também faz parte de um clube", disse Lara. “Além disso, como setor, isso nos dá uma ideia do que está acontecendo, do que podemos fazer, do que está mudando e isso também é muito positivo.”

Considerando o crescimento do conteúdo digital de áudio em espanhol e o número de ouvintes que o consomem, os produtores de podcast sabem que há um enorme potencial de crescimento como setor. Mas eles também sabem que a organização e a agregação desses públicos ajudarão o crescimento a ser maior e mais sustentável.

"Se cada país for deixado sozinho com seu próprio público, isso não vai funcionar. Precisamos de integração, colaboração, da amplificação que o idioma nos dá para podermos estar presentes em vários países com o mesmo conteúdo", disse Lara. "Esses festivais precisam se transformar e suas próximas etapas precisam ser de tal modo a permitir isso.”

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