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Assassinato de repórter mexicano gera onda de protestos contra ataques a jornalistas e a impunidade

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  • 17 Maio, 2017

Por Cat Cardenas e Teresa Mioli

Quando Miroslava Breach foi morta em Chihuahua no dia 23 de março deste ano, seu colega Javier Valdez escreveu no Twitter “No Al Silencio” (Não ao Silêncio), rejeitando a censura e a violência contra a imprensa em seu país. Depois que o próprio Valdez foi assassinado, outros jornalistas têm usado as mesmas palavras para continuar a luta do colega.

Jornalistas de todo o México e do mundo foram às ruas e à internet no dia 16 de maio em manifestações contrárias à violência contra jornalistas e ao assassinato de Valdez, morto no dia anterior em Culiacán, no estado de Sinaloa.

A morte do renomado jornalista, o quinto assassinado no México neste ano, gerou condenações generalizadas e retumbantes contra a forma com que os profissionais de imprensa são tratados no país. A reação é contrastante em relação à maioria dos assassinatos de jornalistas no México.

Centenas de pessoas de Mexicali, no estado de Baja California, até o estado de Quintana Roo, marcharam em suas cidades com cartazes e fotos de Valdez e outros jornalistas mortos, exigindo justiça.

Na Cidade do México, “Nos Estan Matando” (Estão nos matando) e “No Al Silencio” foram escritos em letras grandes com tinta branca na rua em frente ao Anjo da Independência, a mais famosa interseção da cidade.

Ríodoce, o jornal fundado por Valdez em 2003 e onde ele ainda trabalhava, informou que um protesto chegou a entrar no Palácio do Governo e se postou em frente ao gabinete do governador, Quirino Ordaz Coppel.

Coppel se reuniu com um grupo de 100 pessoas e concordou em seguir quatro propostas feitas pelo co-fundador do Ríodoce, Alejandro Sicairos, de acordo com o jornal. No entanto, a publicação acrescentou que o governador não respondeu à pergunta sobre o que aconteceria se não houvesse resultados deste caso ou se ou se outro jornalista for morto.

No protesto em Mexicali, manifestantes leram um comunicado chamando atenção para o fato de que nenhuma prisão foi feita em retaliação aos assassinatos de jornalistas deste ano, de acordo com o Animal Político.

“Nós, que estamos envolvidos no campo do jornalismo, levantamos nossas vozes, exigindo resultados das autoridades, porque não pode mais ser permitido que estes assassinados sigam impunes, pois a mensagem que fica é que não há punição para os assassinos e os agressores, para aqueles que tentam nos silenciar, e com isso, silenciar a sociedade”, dizia o comunicado.

Mais de 40 escritores, jornalistas e editores, incluindo Lydia Cacho e Carmen Aristegui, condenaram o assassinato em uma carta aberta.

Alguns veículos, como o Animal Político, decidiram paralisar seu funcionamento por um dia, como um sinal de solidariedade à Valdez e a outros repórteres que foram assassinados este ano.

Um banner preto aparece na home page destes sites: fotos dos jornalistas mortos no México neste ano e declarações rejeitando o tratamento concedido à imprensa e a impunidade.

A hashtag #UnDíaSinPeriodismo (Um Dia Sem Jornalismo) virou trending topic no Twitter e apareceu ao lodo de outras como #NiUnoMas (Nem um a mais), #NosEstánMatando (Estão nos matando), #PrensaNoDisparen (Imprensa, não atirem), além das palavras de Valdez, #NoAlSilencio.

Outras publicações usaram as capas das edições impressas para protestar.

O retrato de Valdez foi a capa da edição do dia 16 de maio do La Jornada, jornal no qual o repórter trabalhava como correspondente em Sinaloa.

Em um editorial, o jornal exigiu que o governo federal agisse em resposta ao assassinato de Valdez e argumentou que o governo desempenhou um papel na crescente violência que assola o país.

"O fato é que a responsabilidade final pelas mortes de Javier, Miroslava [Breach] e todos os comunicadores assassinados neste país - número que tem aumentado exponencialmente desde que Felipe Calderón declarou uma "guerra" irresponsável e contraproducente contra o crime organizado - depende daqueles que governam, que não têm garantido o direito à vida de seus cidadãos; que agiram preguiçosamente, na melhor das hipóteses, em resposta à forte deterioração da segurança pública; que alimentaram a espiral de violência até converter o que era originalmente um problema de polícia em uma questão de segurança nacional; e que foram silenciosos na busca e na obtenção da justiça "

A notícia do assassinato de Valdez chamou a atenção internacional. Um dos jornalistas mais conhecidos e respeitados no México, ele se tornou uma autoridade em cobrir a violência em Sinaloa, agindo frequentemente como um recurso para os jornalistas estrangeiros que reportavam sobre as guerras às drogas.

Muitos destes jornalistas foram ao Twitter na segunda-feira para expressar sua gratidão, tristeza e raiva.

Assim como o Animal Político e outros veículos mexicanos, edições em língua espanhola de sites internacionais, como HuffPost México, Vice Mexico e Fusion en español também não publicaram artigos, e realizaram atos de solidariedade, como colocar suas homepages em preto.

A homepage do Vice Mexico traz um contador em preto e branco do número de jornalistas assassinados no México desde 2000: 105.

Entidades internacionais e organizações sem fins lucrativos condenaram fortemente o assassinato.

Irina Bokova, diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), denunciou o assassinato e convocou as autoridades a conduzirem uma investigação. 

"Eu condeno o assassinato de Javier Arturo Valdez Cárdenas. O crime é mais um grande aviso das condições perigosas em que muitos jornalistas corajosos exercem sua profissão e de que os ataques a eles minam o direito humano fundamental da liberdade de expressão, assim como a liberdade de informação ".

Joel Simon, diretor executivo do Comitê para a Proteção dos Jornalistas, lamentou a perda de Valdez em uma declaração divulgada após o assassinato. Valdez ganhou o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa da organização em 2011.

"Sua perda é um golpe para o jornalismo mexicano e para o público mexicano, que vê uma sombra de violência se espalhando por todo o país", disse Simon.

O presidente Enrique Peña Nieto quebrou seu silêncio sobre a crescente violência contra jornalistas no país ao publicar no Twitter sua condenação do assassinato de Valdez.

O líder anunciou que encaminhou o caso para a Procuradoria Geral da República, onde a Procuradoria Especial para os Delitos contra a Liberdade de Expressão (FEADLE) poderia auxiliar as autoridades.

O presidente tem sido criticado por não ter tomado uma posição mais dura sobre os ataques contra jornalistas. Após o assassinato, ele foi alvo de muitos tweets criticando o nível de violência e de impunidade no país.

De acordo com o Article 19 do México, 32 jornalistas morreram no país enquanto Peña Nieto esteve no cargo.

O Mecanismo de Proteção para Defensores de Direitos Humanos e Jornalistas do governo federal e a Feadle têm sido severamente criticados por grupos de vigilância no país e internacionalmente.

O advogado de direitos humanos Ricardo Sanchez Perez del Pozo assumiu recentemente a chefia da Feadle, que vai trabalhar com a Procuradoria-Geral de Sinaloa para investigar o assassinato de Valdez.

No dia 4 de maio, Peña Nieto disse ao CPJ que a segurança e a proteção dos jornalistas seriam prioridades durante seus últimos 19 meses no cargo.

Durante os protestos de terça-feira, muitos pediram que o presidente e seu governo mantenham esse compromisso.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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