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Nativos digitais brasileiros usam WhatsApp para buscar conexão direta com público

Dois quintos dos brasileiros usam o WhatsApp para consumir notícias, segundo dados do Digital News Report do Instituto Reuters 2022. A plataforma é a segunda rede social mais popular para o jornalismo no país, atrás do YouTube e à frente do Facebook. Não por acaso, o aplicativo se tornou foco da estratégia de distribuição de veículos nativos digitais do Brasil, que enxergam uma oportunidade para estabelecer uma conexão direta com o público.

“O Whatsapp não tem algoritmo que seleciona o que o público vai ver, o que dá a nós e ao público mais controle sobre o conteúdo. Sabemos o que a nossa audiência vai receber e eles sabem que vão ver tudo o que postarmos,” disse à LatAm Journalism Review (LJR) Mauricio Ferro, criador do Correio Sabiá.

Ferro participou do painel “Aprenda a divulgar notícias pelo WhatsApp,” realizado durante o 17º Congresso da Internacional Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que reuniu representantes de veículos nativos digitais de pequeno porte para compartilhar suas experiências com o WhatsApp.

Mauricio Fierro (Correio Sabiá), Chico de Goes (Brasília Alta Frequência), Thiago Borges (Periferia em Movimento) e intérprete de Libras. (Crédito: captura de tela)

Mauricio Ferro (Correio Sabiá), Chico de Goes (Brasília Alta Frequência), Thiago Borges (Periferia em Movimento) e intérprete de Libras. (Crédito: captura de tela)

 

Fundado durante as eleições brasileiras de 2018, o Correio Sabiá nasceu no WhatsApp, plataforma amplamente utilizada para espalhar desinformação eleitoral. “Se as pessoas estavam divulgando desinformação elas poderiam também divulgar jornalismo profissional. Eu comecei a apostar na viralização de conteúdo confiável,” disse Ferro durante o painel.

Em quatro anos, o Correio Sabiá conseguiu sobreviver e se expandir, e agora conta com o website e um podcast diário. O meio oferece curadoria diária de notícias de política, economia, ciência e meio ambiente em mensagens de no máximo três minutos de leitura. O WhatsApp é o principal canal de distribuição e de contato com a audiência -- são 3.100 leitores divididos em 18 grupos.

“A vantagem do grupo é ter uma métrica muito precisa. A pessoa que está no grupo, ela realmente quer receber muito o seu conteúdo. No grupo você sabe que ela está recebendo porque se ela está no grupo, ela vai receber tudo aquilo que você manda,” disse Ferro.

Além de Ferro, a equipe tem mais quatro integrantes. O Correio Sabiá foi selecionado para a segunda edição brasileira do GNI Startups Lab, o programa do Google de aceleração voltado ao jornalismo, e participou do programa Digital Path to Entrepreneurship and Innovation for Latin America, do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ).

Os esforços atuais, além da cobertura das eleições brasileiras de outubro, vão na direção de buscar fontes de receita que permitam a sustentação financeira do meio. O programa de membros arrecada apenas o suficiente para bancar os custos operacionais.

“A monetização é um processo muito complicado e, para manter o Correio Sabiá, e manter a minha vida, pagar meu aluguel, pagar tudo, eu preciso fazer outros freelas também, o que torna tudo ainda mais surpreendente porque o Correio Sabiá é de fato uma dedicação diária,” disse Ferro.

Já a Periferia em Movimento é um meio especializado na nada trivial cobertura de regiões periféricas da cidade de São Paulo, a maior do Brasil com 20 milhões de habitantes. O veículo digital nasceu em 2009 para dar voz a comunidades sem tanto espaço na mídia tradicional. Chegar ao público alvo, mulheres de baixa renda moradoras de bairros afastados do centro da cidade, sempre foi um desafio.

“A distribuição do conteúdo, fazendo com que nosso conteúdo jornalístico chegue até o nosso público, sempre foi uma preocupação. A gente atua pela internet, a gente é um veículo digital, e a gente sabe que o acesso à internet não é universalizado” disse Thiago Borges, fundador e gestor de conteúdo do Periferia em Movimento.

O WhatsApp já estava no radar: jornalistas da equipe participavam de grupos de movimentos sociais, de coletivos e de bairros periféricos de São Paulo. Mas foi só com a pandemia de COVID-19 que o meio estruturou uma estratégia para o aplicativo, com a produção de conteúdo em áudio para ser distribuído via WhatsApp. Nascia o ZapCast.

“Era podcast por meio do do do WhatsApp, então o podcast curtinhos, diários, de 3 minutos tirando dúvidas, explicando questões da pandemia, falando do uso da máscara, falando como fazer para acessar o auxílio emergencial no site do governo é isso. Teve muita repercussão e criamos um número para o WhatsApp da Periferia,” disse Borges.

Como resultado do ZapCast, houve um aumento no número de inscritos nas listas de transmissão do Periferia em Movimento. Hoje o meio produz e envia também conteúdos em texto e vídeo, e também usa o status do perfil para informar.

“O WhatsApp tem sido o melhor meio para mensurarmos o quanto conseguimos alcançar o nosso público. Organizamos as listas de transmissão por localidade [da cidade de São Paulo] e hoje a gente sabe que boa parte do nosso público está concentrado nas áreas periféricas,” disse Borges.

Por sua vez, a agência de notícias Brasília Alta Frequência tem como público-alvo o mercado financeiro, mas também usa o WhatsApp como ferramenta para alcançá-lo. A agência existe há três anos a partir de uma iniciativa de jornalistas veteranos de jornais diários da mídia tradicional.

“Inicialmente fomos contratados pelo banco Santander para cobrir a reforma da previdência. Era um assunto que despertava muito interesse para o mercado financeiro. (...) E, a partir daí, outras instituições financeiras também começaram a contratar os nossos serviços de informação,” disse o fundador Chico de Góes durante o Congresso da Abraji.

A agência, que hoje conta com um website, usa amplamente o WhatsApp para enviar informações para os seus assinantes -- hoje são 12 instituições financeiras que assinam o serviço do Brasília Alta Frequência para estarem bem informadas sobre a cobertura política da capital federal.

“A gente tem grupos de WhatsApp e temos uma lista de transmissão. Usamos as listas de transmissão para os assessores de imprensa dos parlamentares, dos senadores e ministros, que acabam sendo nossas fontes. Eles acabam repassando [o conteúdo] para esse público. E temos com os grupos para cada instituição assinante. A vantagem dos grupos é que os assinantes podem interagir com a gente,” disse Góes.

Um dos benefícios oferecidos aos assinantes é a participação em reuniões de pauta semanais em que eles podem sugerir determinadas coberturas e enfoques específicos para assuntos do noticiário que lhes interessem.

Para os veículos que têm o WhatsApp como centro de sua estratégia de distribuição de conteúdo e conexão com a audiência, uma mudança está a caminho e chegará ao Brasil logo depois das eleições: o aumento da capacidade dos grupos para 512 membros (o limite hoje é de 256) e a criação de comunidades. As mudanças fazem parte de uma estratégia global da plataforma para concorrer com o seu rival russo Telegram.

“A maior expectativa que tenho não é em relação à ampliação da capacidade dos grupos, mas sim sobre a possibilidade de reuni-los sob um mesmo guarda-chuva,” disse Ferro à LJR. “Acredito que esse recurso possa ajudar a organizar e segmentar os leitores, por exemplo, entre assinantes e não assinantes. Ainda pode dar mais facilidade para oferecer novos produtos e serviços para eles, de acordo com interesse deles próprios. Vai ser interessante ver como essa novidade vai funcionar.”

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